Sei como é violento falar de jovens assim, como nuvem indistinta, particularmente quando reclamam originalidade, singularidade e subjectividade. É violento e tantas vezes sociologicamente enganador: colocam-se no mesmo saco gatos desavindos. Mas, sem perder de vista a necessidade de articular e multiplicar escalas de observação (das mais individuais às mais vastas, ditas “estruturais”), importa vislumbrar grandes linhas de força (tendências, padrões e regularidades) de forma a sentir o espírito dos tempos numa altura em que os tempos parecem escapar-se-nos como areia fina.
Falarei por isso dos jovens como grandes tradutores. Sem disso se aperceberem transitam, no seu quotidiano, através dos múltiplos papéis sociais que encarnam, entre culturas e repertórios francamente heterogéneos. Nem sempre é fácil lidar com semelhante parafernália; negociar, integrar e traduzir numa identidade referências tão díspares requer ferramentas exigentes (e que são desigualmente distribuídas – desde logo a literacia da imagem e do hipertexto: um link pode ser uma ligação com pistas mil ou, ao invés, um labirinto de onde jamais se sairá sem as feridas do caos). Mas habitar na fronteira, entrar e sair de territórios e universos distintos, faz deles artesãos da adaptabilidade (disposição que o capitalismo recupera e aprecia…) e da apropriação, com viagens frequentes entre a alta cultura, a pop mais comercial e globalizado, o "kitsch" ou o popular localizado (trânsitos bem visíveis na fruição audiovisual).
Este entrar e sair da e na modernidade e da e na pós-modernidade, para usar os termos de Néstor-García Canclini, assemelha-os a híbridos, especialistas da circularidade e da mescla. Quando a tradução é bem sucedida, viaja-se até sem sair do lugar, num cosmopolitismo de quem repudia a pureza dos intocáveis e se sente à vontade no diverso. Quando a tradução falha, é como se as ideias e as pessoas ficassem permanentemente “fora do lugar”, à semelhança das importações acríticas e apressadas das últimas modas.
Dois outros riscos ameaçam ainda estes habitantes das e nas fronteiras: por um lado, nunca alcançarem lado algum, aprisionando-se na permanente passagem, vivendo sempre “entre”, embora querendo chegar algures - como aquela orquestra maluca que percorre interminavelmente a ponte da aldeia em noite de santos, tocando sempre a mesma melodia para irritação dos da terra. Por outro, a ilusão da mobilidade: entre tantos trânsitos esquecem a gaiola de aço onde assobiam alegremente. Das fronteiras entra-se e sai-se livre e contaminado de novas ideias, sensações e pessoas. Mas a fronteira cria também o êxodo, o exílio e a fuga. E nem sempre é uma questão de pura escolha.