Nunca foi tão fácil consumir pornografia e nunca existiu tanta variedade como nos dias de hoje. A internet consolidou a massiva indústria de vídeos caseiros, e, em simultâneo, o mercado erótico "kitsch" começou a definhar. Basta pensar que a "Playboy" teve de se sofisticar para chegar a classes sociais mais altas e assim sobreviver. Por todo o mundo, surgem publicações que exploram um erotismo inteligente. Portugal não é excepção: o número zero da revista (in)visível foi dedicado à pornografia.
Se a pornografia começou por explorar uma visão hegemónica da mulher, objectivada como um sujeito passivo e alheio ao prazer, começam a surgir cada vez mais versões alternativas, graças a "movimentos que questionam este lugar de objecto do sexo feminino", considera João Manuel Oliveira, investigador na área dos estudos de género e teoria feminista. A internet e a "valorização do trabalho sexual" potenciou uma variedade de conteúdos eróticos.
"A pornografia nunca foi um discurso único. Pode-se dizer que a indústria está em mudança. Aliás, devíamos falar em indústrias", refere, alertando para a existência de subgrupos dentro da própria pornografia: a feminista, a "queer", a fetichista. "A internet potencia a diversidade", confirma Pedro Nobre, coordenador do Sexlab, unidade de investigação da Universidade de Aveiro. "Permitiu democratizar o sexo. O sexo explícito não é tão estigmatizante e acho que, de alguma forma, estará relacionado ao maior interesse das mulheres por estes temas."
O homem está sempre mais disponível?
Em Maio do ano passado foram divulgados resultados surpreendentes de um estudo do Sexlab: as mulheres sentem-se mais excitadas com filmes de cariz sexual do que os homens. Mais importante do que as diferenças entre género é a forma como as pessoas encaram a sexualidade.
"Culturalmente, foi construído um duplo padrão moral que decretou que o homem é mais disponível para o sexo do que a mulher. Esta categoria simplista é cada vez mais difícil de encaixar. Há homens que não se revêem nisto e hoje têm mais facilidade em assumi-lo, graças à democratização do sexo." Do mesmo modo, há uma "redefinição do papel da mulher" com os impulsos do movimentos pós-porno, considera João Manuel Oliveira.
O fim dos antigos paradigmas avizinha-se, perspectiva Pedro Nobre: "Daqui a 30/40 anos, este duplo padrão poderá estar em vias de extinção."
A pornografia "queer"
Beatriz Preciado, uma das grandes ideólogas da pornografia "queer" e da pós-pornografia, assinou, em 2002, o "Manifesto contra-sexual", baseando-se em conceitos já explorados por Foucault, Deleuze e Judith Butler, entre outros. Defendendo a mudança do paradigma, Preciado propõe a criação de novos conteúdos pornográficos por sujeitos e grupos silenciados como combate à dita "pornografia hegemónica". Estes conteúdos ganham, assim, uma nova faceta política e social.
"A partir dos anos 90 começa-se a sentir a necessidade de ter um discurso social na pornografia", indica João Manuel Oliveira, recordando as origens da pós-pornografia.
São muitos os trabalhos audiovisuais que se inserem neste contexto, dando origem a um novo mercado com as suas próprias estrelas: François Sagat, Buck Angel, Ron Athey, Annie Sprinkle, Émilie Jouvet. Em Espanha, há um grupo que faz "pornoterrorismo". E não deixa de ser curioso, diz o investigador, como é que Bruce LaBruce, provavelmente o mais conhecido pornógrafo do mundo, continua a ser considerado um "realizador de cinema alternativo". Mas isso fica para um próximo artigo.