Uma "sitcom" sobre o dia-a-dia de um cómico neurótico que vive em Nova Iorque? O legado de "Seinfeld" pesa sobre "Louie", a recente série do cómico veterano Louie C.K.. Louie e Seinfeld vêm, sem dúvida, da mesma tradição, mas há diferenças assinaláveis entre os dois. "Seinfeld", por muito perspicaz que fosse, existia no mundo abstracto das "sitcoms" - vingou por remover os pirosos "momentos humanos" do formato, nunca apontou para uma ligação emocional. Mais tarde, o co-criador de "Seinfeld", Larry David, iria levar o humor de embaraço da personagem de George Costanza a extremos geniais. Criou "Curb Your Enthusiasm" e tornou-a no "Serbian Film" da comédia, ao fazer deste embaraço o que o cinema 'gore' fez para a violência.
Também "Louie" oferece embaraços épicos, mas o que a distingue enquanto série é a sua emotividade. Não entremos no erro de a chamar autobiográfica (o próprio autor já o desmentiu), mas há algo de extremamente sentido no que a série tem a dizer sobre a solidão do "stand-up", sobre a vida de pai, sobre a meia-idade e o medo da morte. Talvez seja por isso que, embora Louie seja tão tresloucado como qualquer George ou Larry, desperta em nós menos frustração e mais compaixão.
"This is literally all we have"
O maior alvo da comédia de "Louie" é sempre a sua personagem principal. No seu palco de "stand-up", pode destruir verbalmente a loira bonita que lhe interrompeu o discurso, mas fora de palco admite que o que o põe fulo é que uma pessoa de sucesso se atreva a interromper a hora de brilho de um miserável cómico - "this is literally all we have". Mesmo na arena política, o esquerdista Louie coloca-se como inferior: num episódio entra num debate acérrimo com um comediante de direita, defendo-se apenas com pueris acusações de nazismo. Num dos momentos mais badalados da segunda temporada, Louie defende a masturbação perante uma activista religiosa na "Fox News". E se o cómico consegue desferir alguns golpes heróicos ("Later I’m gonna masturbate and think about you, and there’s nothing you can do about it"), quando ela lhe pergunta se alguma vez foi feliz, o silêncio diz muito. A vida não é justa.
No fim, "Louie" é sobre a condição humana: vez após vez, Louie depara-se com "o diferente" para acabar por ver que todos temos as mesmas frustrações e os mesmos sarilhos mesquinhos. Essa lição humanista torna a série superior ao artifício enjeitado de "Seinfeld"? São estratégias e objectivos diferentes. Ainda bem que temos ambas.