Há mais ou menos trinta anos, era José Luís Marques Peixoto e sentava-se numa das carteiras da Escola Primária de Galveias, em Ponte de Sôr, Portalegre. Dizia o boletim das notas da primeira classe, cuidadosamente escrito e destinado ao encarregado de educação – José João Serrano Peixoto, o pai –, que o rapaz era irrequieto e falador. Hoje, é conhecido como José Luís Peixoto, escritor, poeta, ainda irrequieto e falador.
“Por causa dessa observação, estive a ponto de intitular o livro que [agora] se chama ‘Abraço’, de ‘Irrequieto e Falador’, até porque se trata de uma expressão que, durante muito tempo, senti que me caracterizava bastante”, revela José Luís Peixoto.
Na verdade, a observação de que o escritor fala está no boletim de notas já referido. Como é que tivemos acesso a ele? Nada de mais, pois é, tão-somente, o verso da página que divulga o programa das “Quintas de Leitura”, as sessões de poesia do Teatro do Campo Alegre, no Porto, em que José Luís Peixoto é poeta convidado.
O escritor inventor
Mas voltando ao boletim das notas: “Essa escolha tem a ver com a vontade de, nas “Quintas de Leitura”, dar sempre às pessoas algo que seja fora do comum e que ao mesmo tempo as toque. Aquelas notas de há tanto tempo atrás acabam por ser humanizantes, no sentido em que, olhando para elas, nunca se anteveria um escritor, mas sim uma criança normal que recebe, até, algumas reprimendas”, diz.
E di-lo bem: uma criança normal. Tão normal que, no ano lectivo de 1981/82, "queria mais brincadeira, do que Língua Portuguesa”, apesar da apreciação positiva àquela disciplina, patente no boletim de notas. Até porque, se na altura lhe perguntassem o que é que queria ser quando fosse grande, certamente não respondia escritor ou poeta, o mais provável era dizer que queria ser como o Professor Pardal, um inventor. “Em certa medida, escrever também é quase uma forma de ser inventor”, refere.
“O comportamento no recreio é bom, mas na aula o aluno é irrequieto e falador”. Esta é a frase completa da avaliação do comportamento de José Luís Peixoto, há trinta anos. Sabemos que continua irrequieto e falador, mas já não é o mesmo rapaz que brincava no recreio da Escola Primária de Galveias.
“A vida vai passando por mim e vai deixando as suas marcas, mas esforço-me para manter as características que considero serem as melhores desse rapaz de 1981. No entanto, sei que cada dia sou um José Luís Marques Peixoto diferente”.