Como lidam os jovens com a violência no namoro? Perguntem-lhes

Alunos de Valadares mergulharam nas causas e consequências da violência no namoro através de diferentes métodos. E trazem respostas. Entre as soluções está a ideia de que o assunto “deve ser tratado na escola, desde pequenos”, para ajudá-los a reconhecer o problema.

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Os alunos criaram um “árvore cronológica” de uma relação violenta. Nesta imagem, quiseram retratar uma vítima de violência no namoro que já “não demonstra emoções”, e que não consegue sair da relação. DR
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O que pensam os estudantes sobre as diferentes formas de violência no namoro? Como é que os jovens reagem a este tipo de violência? Que estratégias usar para que compreendam melhor o problema? Para a turma de multimédia do 11.º ano da Escola Secundária Dr. Joaquim G. Ferreira Alves, em Valadares, Vila Nova de Gaia, as respostas vieram sob várias formas.

Ao longo do último ano lectivo, rapazes e raparigas investigaram a violência no namoro com recurso a diferentes métodos: inquéritos, entrevistas, fotografia, teatro. O tema foi escolhido pelos próprios alunos, no âmbito do projecto europeu Catch-Eyou, que em Portugal é coordenado por Isabel Menezes, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). No ano passado, com a ajuda de investigadores da FPCEUP e através de metodologias ligadas ao Teatro do Oprimido, analisaram algumas dinâmicas de poder presentes na sociedade e que identificam também no seu dia-a-dia.

Ao fim do primeiro ano do projecto, a turma tinha explorado a violência no namoro e a desigualdade entre alunos e professores. “Mas este ano decidimos que a violência no namoro era mais importante”, conta-nos Catarina Machado, 18 anos. Os resultados foram apresentados na semana passada, através posters, vídeos e teatro, num evento aberto à comunidade escolar no qual também estiveram presentes investigadores e outros membros externos para ouvir e debater com os alunos os resultados que encontraram.

“Não é uma coisa de que se fale regularmente, mas sabemos o que é e as consequências que tem”, explica Paulo Silva, 18 anos, que ficou no grupo de rapazes que elaborou o questionário distribuído por turmas do 7.º ao 12.º ano. Perguntaram aos colegas: acham normal um namorado dar uma bofetada à namorada? Pedir-lhe o telemóvel “para ver o que se passa”? E se for ao contrário? As conclusões: “A grande maioria dos jovens é contra a violência no namoro”, apesar de haver estudantes “menos conscientes” sobre as diferentes formas de violência.

E quando o agressor é o nosso melhor amigo, o que devemos fazer? As opiniões dividem-se - e os alunos tentaram mostrar os diferentes pontos de vista num debate em role playing, em que cada personagem representa as conclusões retiradas de cada fonte.

Assunto “deve ser tratado na escola"

Catarina Machado e outras quatro colegas ficaram com as entrevistas; falaram com um agente da polícia e com a representante de uma organização de apoio a vítimas de violência no namoro. Ouvidas as partes, concluíram que o assunto “deve ser tratado na escola, desde pequenos, para interiorizarmos melhor estes temas”. “Muitas vezes nós não vemos as coisas como sendo aquilo que são, e acho que deveríamos ter mais noção das coisas”. Por exemplo? Estar alerta quando alguém numa relação tenta controlar a roupa ou os contactos da outra pessoa. As fontes ouvidas pelas estudantes afirmaram ainda que “os professores deviam ser alertados para este problema”, para estarem prontos para intervir.

O grupo da colega Jéssica Santos, 18 anos, tentou perceber como é que vítimas, agressores e colegas reagem à violência. O método: a fotografia. “Na nossa fotografia, tentamos pôr-nos no corpo da pessoa, sentir o que ela sente. Através disso, encontrar algo que transmita o que a pessoa numa relação dessas está a sentir e tentar fazer com que, ao verem a nossa imagem, as pessoas pensem. Talvez até ganhem uma ideia nova sobre o que é este tema”. O resultado: uma “árvore cronológica” de uma relação violenta, que cresce desde a raiz até dividir-se entre “a decisão de tentar libertar-se dessa relação” e um lado mau, de sofrimento e solidão. Para Jéssica, é preciso “incentivar as pessoas a ajudarem-se umas às outras”. “Muitas vezes vemos as coisas mas não nos queremos meter nos problemas dos outros.”

E o que estará na raiz desta violência? Para o grupo que explorou o tema através do teatro, a resposta está nas “diferentes intenções que levam as pessoas a estarem juntas e o lugar que cada um ocupa na sociedade”, lê-se num dos posters elaborados pelos alunos para apresentar os seus resultados. Mas se, por um lado, “o homem tem alguns privilégios” numa relação e “maior liberdade sexual” do que a mulher, tem também “uma pressão social para se comportar de maneiras pré-determinadas: deve ser forte, protector, determinado, activo”.

O rapaz gosta de futebol, a rapariga de dança

Na peça criada pelos estudantes, os rapazes começam por representar a vida de duas pessoas, “desde bebés até adultos, com vários estereótipos”, descreve Rodrigo Pereira, 17 anos. Por exemplo, “o rapaz gosta de futebol, a rapariga gosta mais de dança”. Para o jovem, corrigir estes desequilíbrios pode fazer com que as mulheres não sejam desvalorizadas, por exemplo, no mercado de trabalho; ou que homens e mulheres tenham menos vergonha de denunciar quando são vítimas de violência. E esta intervenção tem que ser mais próxima dos jovens, ao invés das “muitas campanhas de sensibilização” que não conseguem de facto “sensibilizar os indivíduos que estão em risco de fazer uma agressão”.

O objectivo do projecto Catch-Eyou é pôr os jovens a interessar-se por questões com que se deparam no seu dia-a-dia. Não apenas reflectir sobre as suas realidades, mas também desenvolver uma cidadania activa, a consciência de que podem agir e que isso pode fazer a diferença. “Deu-me oportunidades para expressar a minha opinião e dar um voto para que isto não continue a acontecer”, conta Diogo Santos, 18 anos.

Para Anabela Amaral, presidente do conselho geral desta escola, “o que é importante é ver o processo de decisão, a implicação e a intervenção” dos alunos. E este tipo de abordagem faz com que os jovens aprendam melhor como agir? O que nos dizem eles? “Metiam-nos em papéis para naquele momento sentirmos o que uma vítima e um agressor sentiam, e estudámos várias atitudes que ambos podiam ter. Se uma pessoa já se tiver sentido naquela posição, se calhar já sabia como agir mais tarde quando o assunto fosse a sério”, diz-nos Diogo.

Os resultados a que os estudantes chegaram serão apresentados por eles em Bruxelas, em Setembro, num evento onde alunos de escolas de outros cinco países também vão apresentar os resultados das suas pesquisas sobre outros temas, como a questão dos refugiados.

Ouça o episódio do podcast Do Género sobre estas conclusões de estudantes da Escola Secundária Dr. Joaquim G. Ferreira Alves:

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