Ministro do trabalho esconde informação sobre as IPSS
Os escândalos ocorridos com algumas instituições de solidariedade social não foram suficientes para convencer Vieira da Silva a prestar contas sobre a fiscalização das IPSS. Quem são, onde estão e o que acontece aos prevaricadores parece ser segredo de Estado
Os serviços de fiscalização do Instituto da Segurança Social fizeram 61 participações ao Ministério Público (MP), entre 2015 e o final de 2017, motivadas por indícios de crimes detectados nas 2867 acções de fiscalização realizadas num universo de cerca de 5100 instituições particulares de Solidariedade Social.
No mesmo período, o Instituto da Segurança Social encaminhou também para o MP 19 propostas de destituição de dirigentes de IPSS e propôs a suspensão dos acordos de cooperação que permitem o financiamento público de 62 dessas instituições. Entre 2015 e Fevereiro de 2018, o valor das coimas cobradas às IPSS por infracções praticadas nesse intervalo de tempo ascendeu a 98.880 euros.
Números contraditórios
Em resposta enviada ao PÚBLICO em meados de Março, três meses depois de as perguntas terem sido feitas, o ministério de Vieira da Silva adianta que das 62 propostas de suspensão dos acordos de cooperação apenas três foram concretizadas. Esta informação tem se ser encarada com reservas, visto que numa resposta o gabinete do ministro diz terem sido 62 as entidades visadas e noutra afirma que foram apenas 46. E até hoje não esclareceu qual dos dois números é o verdadeiro.
Sobre os motivos de terem sido abandonadas 59 (ou 43?) dessas propostas, o MTSSS explica que isso se deveu ao facto de essas instituições terem sanado as irregularidades detectadas, nomeadamente: recebimento indevido de verbas; quadros de pessoal desadequados em relação ao número de utentes; não pagamento de coimas; ausência de prestação de contas à Segurança Social; excesso de utentes e exigência de donativos como condição de admissão dos utentes.
Quanto às participações criminais ao MP, especifica que se trata de ilícitos “numa perspectiva contributiva, burla tributária, fraude fiscal etc.” No entanto, não revela o número de instituições a que respeitam as 61 denúncias, nem diz se além dos indícios criminais na “perspectiva contributiva” foram participados indícios relativos a crimes como os de corrupção, peculato ou abuso de confiança.
E muito menos informa, nem explica porque o não faz, quais são, ou pelo menos, como lhe foi solicitado, em que localidade se situam as entidades onde os factos ocorreram. Relativamente às consequências dessas participações, sustenta que não acompanha os processos e que apenas é informado “quando o Ministério Público o decide”, coisa que, pela ausência resposta a uma pergunta subsequente, não esclarece se alguma vez aconteceu.
Perguntas sem resposta
Respostas e não respostas idênticas são fornecidas pelo MTSSS acerca das propostas de destituição de dirigentes, motivadas pelo incumprimento do Estatuto das IPSS. Entre as situações que podem conduzir à destituição judicial desses responsáveis refere a existência de “graves irregularidades no funcionamento da instituição”, o “incumprimento dos objectivos programados, por motivos imputáveis ao órgão de administração”, ou “a prática de actos gravemente lesivos dos direitos dos associados e utentes e da imagem da instituição”.
O ministério não diz, contudo, quais foram os incumprimentos mais frequentes que o levaram a fazer 19 propostas de destituição, nem sequer quantos dirigentes e instituições é que essas propostas abrangem.
O entendimento do dever legal de informar que vigora no MTSSS, embora tal não seja sequer verbalizado, uma vez que as perguntas depois feitas continuam sem resposta, parece ser o de que o mesmo se cumpre com a divulgação de alguns números avulsos e por vezes contraditórios. Terá sido, aliás, esse entendimento que o levou a recusar ao PÚBLICO, em 2016, as contas e relatórios da Caritas Diocesana de Lisboa depositadas nos seus serviços. Tais elementos só vieram a ser facultados por ordem judicial.
Ainda no que concerne às 19 propostas de destituição de dirigentes, o ministério de Vieira da Silva não só afirma que ignora o que lhes sucedeu, como não esclarece quantos dirigentes elas abrangem, nem quantas instituições, quais e de onde. À primeira destas questões responde que “apenas os tribunais detêm essa monitorização como resultado do respectivo trabalho”, deixando assim admitir a possibilidade de ter como interlocutores, em representação de instituições, dirigentes destituídos judicialmente. Às restantes questões, responde com o silêncio.
Dúvidas por esclarecer
Acresce que a Procuradoria-Geral da República diz não ter meios de identificar os processos que a Segurança Social fez chegar ao MP, nem de informar qual foi o seu resultado, sem saber a que instituições eles se referem. Informação essa que, novamente solicitada pelo PÚBLICO ao MTSSS em meados de Março, nunca foi facultada.
Dúvidas que Vieira da Silva não esclarece são também as que se prendem com os processos de contraordenação instaurados às instituições. Em Maio do ano passado, os serviços do ministério informaram que “o número de infracções associadas a processos de contraordenação decididos em 2015 e em 2016, do âmbito fiscal, tutela e regulação foi de 2253, em 2015, e de 5172, em 2016”. O valor total das coimas aplicadas foi de 1.411.623 euros em 2015 e de 2.433.557 euros em 2016, correspondendo essas coimas a 945 processos.
Agora afirma que o montante efectivamente pago desde o início de 2015 até 1 de Fevereiro deste ano foi de apenas de 137.253 euros, sendo que alguma dessas coimas respeitam a processos anteriores a 2015. Quantas IPSS pagaram estas coimas é coisa que também parece ser segredo. Na resposta lê-se tão só que aquele valor se reporta a “35 processos”. Mas mais adiante indica que, no mesmo período, as coimas cobradas somaram 167.393 euros e se referem a “49 processos”. O pedido de clarificação destas contradições aguarda resposta desde 15 de Março.