Portugal abre caminho aos carros autónomos

Um acordo com Espanha para criar dois corredores rodoviários e experiências em Viseu e Cascais são sinais de que Portugal não quer ficar para trás num novo conceito de mobilidade.

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Vai chegar o dia em que os carros autónomos e com condutor vão circular lado a lado em Portugal Nelson Garrido

Os carros que se conduzem sozinhos estão a chegar a Portugal. Desde compromissos do Governo a pequenos projectos municipais, o país está a preparar terreno e a começar a testar uma tecnologia que é uma das grandes apostas dos fabricantes de automóveis para as próximas décadas e que promete transformar tanto o negócio do sector, como os hábitos de locomoção dentro e fora das cidades.

Este mês, Portugal e Espanha acordaram em fazer esforços conjuntos para criar condições de teste de veículos autónomos e conectados. O plano implica a abertura de dois corredores onde os veículos poderão circular: um entre Porto e Vigo e outro entre Évora e Mérida. Estes corredores vão disponibilizar acesso a 5G, a próxima geração de redes móveis, que permite comunicações mais rápidas do que as actuais e que pode ser usada, por exemplo, para os carros autónomos comunicarem uns com os outros ou com equipamentos nas estradas.

Em termos municipais, Viseu anunciou que vai ter um veículo público eléctrico não tripulado no ano que vem, para substituir um funicular, e Cascais vai fazer testes com dois veículos autónomos destinados ao transporte público de passageiros.

A carta de entendimento para a criação dos dois corredores para carros autónomos foi assinada a 10 de Abril pelo secretário de Estado das Infra-estruturas, Guilherme W. d’Oliveira Martins, e pelo sub-secretário de Estado espanhol da Administração Interna (poucas semanas antes, vários países europeus, entre os quais Portugal, tinham também assinado em Roma uma carta de intenções para levar a cabo experiências de “grande escala” com veículos autónomos).

O acordo especifica que os dois países devem trabalhar para estabelecer uma partilha de dados relativos às estradas e ao trânsito, e também definir regras comuns. “Políticas e regulação comuns e coordenadas para permitir um desenvolvimento rápido e seguro da condução autónoma vão contribuir significativamente para um uso mais harmonioso e bem-sucedido de tecnologias avançadas em veículos”, lê-se no documento, que está escrito em inglês.

A carta refere que esta abordagem pretende “transformar a Península Ibérica numa das áreas mais inovadoras para o teste e implementação da automação na mobilidade.” Os corredores em causa, explica ainda o documento, vão funcionar como um centro tecnológico neutral “para a indústria, centros de investigação, academia e quaisquer outros agentes” que queiram “testar  e avaliar tecnologias inovadoras de mobilidade”.

Ainda não há, porém, prazos definidos para a abertura dos dois corredores, os quais deverão permitir a circulação  dos veículos autónomos ao lado dos veículos com condutor. Nos próximos meses, será feito trabalho técnico e deverão depois ser dados os primeiros passos no terreno.

Câmaras em movimento

A nível local, Viseu e Cascais posicionam-se como autarquias que querem estar na linha da frente da condução autónoma. No caso de Viseu, o município anunciou este mês o projecto Viriato, um veículo público eléctrico e sem condutor, que vai poder transportar até 24 pessoas num percurso de cerca de 700 metros no centro da cidade, substituindo um funicular.

O Viriato – que reuniu num consórcio a câmara e empresas como a Mercedes, a Salvador Caetano (que tem várias actividades no sector automóvel), a Siemens e o TulaLabs (fundada por dois ex-alunos do Departamento de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra) – vai permitir, segundo a autarquia, tornar Viseu na “primeira cidade portuguesa a dispor de um transporte colectivo de passageiros autónomo”. Ao PÚBLICO, a câmara explicou que o processo de licenciamento está a ser tratado com a tutela, clarificando que o veículo não circulará na via pública: “Tem um canal dedicado e exclusivo, com barreiras que segregam a via onde circula.”

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Veículo sem condutor vai substituir funicular em Viseu no ano que vem

Já em Cascais, a autarquia revelou ao PÚBLICO que vai ser testado um veículo autónomo “destinado ao transporte público com capacidade para nove passageiros”, seguindo-se depois outro com capacidade para 24 pessoas. Esse teste decorrerá numa primeira fase no Complexo Multiserviços da câmara na localidade da Adroana, e, “se a avaliação for positiva”, o veículo será depois testado em ambiente real. Quando chegar a altura, disse fonte da câmara, “serão envolvidas as entidades oficiais que tutelam esta área”, nomeadamente o Instituto da Mobilidade e dos Transportes e a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Cascais vai também ser palco, nos dias 18 e 19 de Maio, de uma demonstração de um veículo autónomo de nível 5 (o mais elevado, em que a autonomia é total e o veículo circula sem condutor). De acordo com a organização do evento (a World Shopper Conference Iberian 2018, ligado à inovação na área dos automóveis e da mobilidade), esta vai ser uma “demonstração inédita em Portugal”. O veículo em causa é um autocarro da empresa francesa Navya, 100% eléctrico e capaz de transportar até 15 pessoas (quatro das quais de pé) a uma média de 25 quilómetros por hora.

Segundo explicou ao PÚBLICO Ricardo Oliveira, um dos fundadores da World Shopper (empresa ligada à organização de eventos e consultoria nesta área), a circulação do veículo vai ser feita numa rua fechada, junto ao centro de congressos do Estoril, pelo que não é preciso uma licença (os contactos foram feitos ao nível da autarquia, polícia municipal e protecção civil). A nível global, a Navya já tem vários veículos em circulação, como na cidade de Lyon (junto ao rio) ou no aeroporto de Christchurch, na Nova Zelândia. De acordo com um estudo da consultora AT Kearney, citado pela empresa francesa, o mercado dos veículos autónomos deverá valer mais de 515 mil milhões dólares (cerca de 416 mil milhões de euros) em 2035.

Caminhos a percorrer

A tecnologia de condução autónoma está já numa fase avançada, graças aos desenvolvimentos levados a cabo ao longo de décadas pelos fabricantes automóveis, que se intensificaram nos últimos anos, quando também empresas de tecnologia como o Google, a Uber e grandes tecnológicas chinesas entraram em jogo. Mas a circulação de carros autónomos nas estradas é ainda um caminho com muitas curvas

Os níveis mais elevados de autonomia – em que o condutor tem pouca ou nenhuma intervenção – colocam vários desafios legais. É necessário rever, por exemplo, as obrigações dos condutores e ocupantes do veículo, e também é preciso determinar como apurar responsabilidades num acidente quando ninguém está ao volante. Há ainda questões éticas por resolver: em caso de acidente inevitável, um carro deve atropelar quem está à frente ou embater num muro arriscando a vida dos ocupantes? Recentemente, a Alemanha – um país com uma forte indústria automóvel – elaborou um conjunto de regras éticas e definiu que os carros autónomos devem sempre poupar o máximo número de vidas possível.

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