Fóssil de novo peixe com pulmões descoberto na Gronelândia
Paleontólogos de vários países, incluindo Portugal, encontraram placas dentárias de uma espécie de peixe nova para a ciência que viveu há 210 milhões de anos.
As terras onde agora é a Gronelândia ainda faziam parte, há 210 milhões de anos, do supercontinente Pangeia. Nessa altura, no final do período Triásico, quando a Pangeia estava a fragmentar para ir dando origem a vários continentes, havia um peixe com pulmões que tinha como habitat um ambiente lacustre ou fluvial. A influência do mar, tanto quanto indica o registo geológico, não chegaria aos domínios desse peixe pulmonado de água doce. A sua descrição científica é agora relatada na revista Journal of Vertebrate Paleontology e a importância desta descoberta, numa zona remota no Leste da Gronelândia, em 2012 e 2016, é-nos contada pelo paleontólogo português Octávio Mateus, que participou nessas expedições.
Há peixes que não respiram apenas através de brânquias (guelras), fazendo também as trocas gasosas através de pulmões. Estes peixes pulmonados – ou dipnóicos – são um grupo peculiar de peixes que surgiu ainda antes dos dinossauros e ainda hoje existem seis espécies, distribuídas pela América do Sul, África e Austrália.
“Esse grupo é particularmente interessante porque tem pulmões e brânquias, o que ajuda a entender a própria evolução dos animais de pernas [incluindo a nossa]. Pertencem a um grupo mais amplo de peixes que evoluiu com barbatanas semelhantes a membros, que são ancestrais de todos os vertebrados terrestres, incluindo anfíbios, répteis, mamíferos e aves”, sublinha Octávio Mateus, da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e do Museu da Lourinhã, citado num comunicado de imprensa sobre o trabalho.
Tendo os dinossauros surgido há cerca de 220 milhões de anos, qual é então a idade dos fósseis de peixes pulmonados mais antigos? “Os dipnóicos mais antigos têm cerca de 380 milhões de anos”, responde ao PÚBLICO o paleontólogo português.
“Os dipnóicos evoluíram de outros peixes que tinham barbatanas lobadas, como o celacanto, mas acabaram por evoluir para barbatanas muito estreitas que servem mais como sensores do que para locomoção”, acrescenta Octávio Mateus. “Todos os dipnóicos são de água doce e chegam a sobreviver em tocas sem água durante períodos de seca. Contudo, alguns toleram água salobra [já com sal].”
Têm uns dentes muito largos em forma de placas, que cobrem toda a boca. Foram essas placas tão distintivas que a equipa de cientistas encontrou na Gronelândia, na Terra de Jameson, uma península no Leste da ilha, em expedições de 2012 e 2016, e que vieram a permitir a identificação de uma espécie nova para a ciência de peixe com pulmões – a Ceratodus tunuensis.
“Esta espécie distingue-se das demais por ter robustas placas dentárias com sulcos e formas diferentes de todos os outros peixes pulmonados”, explica ainda, segundo o comunicado de imprensa, Federico Agnolin, do Museu Argentino de Ciências Naturais, em Buenos Aires, e o principal autor do artigo científico.
O nome específico tunensis significa “Tunu”, palavra inuit para a Gronelândia oriental. “Esta foi a nossa forma de honrar a Gronelândia e a cultura inuit”, disse outro dos autores do trabalho, Lars Clemmensen, da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca. “Quando escolhemos o nome da espécie, inicialmente consideramos usar o nome da povoação mais próxima cujo nome inuit é Ittoqqortoormiit, mas no final optamos por usar Tunu por ser mais fácil de pronunciar”, acrescentou Jesper Milàn, do Museu Geológico de Faxe, na Dinamarca, também entre os autores.
As placas dentárias usadas para descrever cientificamente a nova espécie encontram-se depositadas no Museu de História Natural da Dinamarca, em Copenhaga.
Acesso só de helicóptero
O que pode ainda dizer-se sobre a nova espécie é que a formação geológica onde os seus vestígios foram encontrados – Formação do Fiorde Fleming – revela que este grupo de peixes estava bem adaptado à água doce. Através das rochas onde se encontravam os fósseis, ficou a saber-se que a Ceratodus tunuensis vivia apenas em lagos e rios, sem qualquer sinal de influência marinha, assinala-se no artigo científico.
Há 210 milhões de anos, aquela parte da actual Gronelândia ficava a latitudes entre os 40 e os 44 graus Norte, o que equivale hoje em dia ao Norte de Portugal e de Espanha.
Porquê procurar fósseis destes peixes na Gronelândia? “Porque tem um enorme potencial científico, é pouco estudada e um museu dinamarquês – o Geocenter Møns Klint – estava interessado em financiar uma expedição desta natureza”, conta Octávio Mateus, que acrescenta que nos anos 80, portanto muito antes das duas expedições em 2012 e 2016 em que se descobriram as placas dentárias da nova espécie, bem como ossos da sua mandíbula inferior, houve umas expedições da Universidade de Harvard (EUA) que também encontraram exemplares.
Ficamos agora com o relato do paleontólogo português sobre estas aventuras científicas. “Foram expedições interessantes, em locais muito remotos, onde o acesso é unicamente feito de helicóptero. Tivemos de transportar todo o equipamento, comida, tendas, e ter em consideração todas as questões de segurança. Curiosamente, não esteve muito frio: a temperatura mínima foi de sete graus Celsius e a máxima de 53 graus, ao sol.”