Há um novo barão na quinta de Colares
Nicholas von Bruemmer deixou uma carreira na banca na Suíça e mudou-se para Portugal no final de 2016, quando o seu avô, o barão Bodo von Bruemmer, o homem que decidiu fazer vinho quando tinha 95 anos, morreu, aos 105. Começa agora uma nova vida no Casal Sta. Maria.
Poucos dias antes de morrer, o barão do Casal Sta. Maria, em Colares, assegurava ao neto, Nicholas von Bruemmer, que não era ainda tempo de partir porque tinha muito que fazer. “Não posso ir, tenho ainda uns quatro ou cinco anos de trabalho aqui”, dizia em Novembro de 2016. Tinha então 105 anos e começara a fazer vinho dez anos antes.
Nicholas, um homem alto e simpático, de 56 anos, recebe-nos na casa que o seu avô, Bodo von Bruemmer, comprou em Colares no início dos anos 1960 — construída originalmente em 1720, sobreviveu ao terramoto de 1755 e teve vinhas até 1903 — e onde passou grande parte da sua vida. Foi aqui que, aos 95 anos, o barão voltou a plantar vinha, depois de, com a mulher, que morreu em 1994, ter criado perto de 100 cavalos de raça árabe, na maior coudelaria do género em Portugal, e de, numa breve aventura que não foi o sucesso que imaginara, ter tido cabras africanas que, acreditou, iriam vender-se muito bem em Portugal.
“As 15 cabras, vindas da Namíbia, gostaram tanto de estar aqui e estiveram tão ocupadas a procriar que ao fim de um ano e meio já eram 350”, conta Nicholas, sorrindo, ao recordar a “forte personalidade” de um homem que, mais do que avô, foi “a figura paterna” da sua vida, depois de ter perdido o pai quando tinha dois anos.
Bodo von Bruemmer teve uma vida de aventuras — nasceu em 1911 na Curlândia, então uma província báltica do império russo, fugiu aos bolcheviques em 1918, refugiando-se na Alemanha, vendeu tabaco de porta a porta e, mais tarde, tornou-se banqueiro na Suíça. Aos 95 anos, com a saúde a tornar-se mais frágil, acordou de uma operação com a ideia de fazer vinho, projecto ao qual deu início três semanas mais tarde.
Determinado e com ideias muito próprias, dirigiu o negócio durante dez anos, confiando cada vez mais no que lhe “dizia” o pêndulo que usava para tomar todas as decisões. Nicholas, que também trabalhava na banca e só no final de 2016 se mudou da Suíça para Portugal, vinha muitas vezes visitá-lo, com a mulher e os dois filhos, e acompanhava à distância o trabalho com o vinho, mas durante a vida do avô optou por não interferir. Sorri. “Ele era um homem muito racional, mas com o tempo tornou-se muito dependente do pêndulo. Já não sei se era o pêndulo que fazia o que ele queria, se era ele que fazia o que o pêndulo dizia.”
O facto é que os vinhos foram surgindo, primeiro com o apoio do enólogo Rui Cunha e desde 2011 com a dupla composta por Jorge Rosa Santos e António Figueiredo. Vinhos feitos, na maioria, a partir de castas estrangeiras, marcados pela acidez e pela salinidade dada por estas vinhas, situadas entre o oceano Atlântico e a serra de Sintra e descritas como “as mais ocidentais da Europa”.
Hoje, Nicholas procura um equilíbrio entre a força da história do avô e a modernidade que quer introduzir no Casal Sta. Maria. “As pessoas em Portugal ficaram fascinadas com a ideia de que um louco de 95 anos tinha decidido fazer vinho”, diz. “Toda a gente tem uma afinidade com Colares, com este clima, esta bruma. Quando provam o vinho relacionam-se com toda a região, este carácter salgado, esta acidez. Hoje é tudo tão anónimo que as pessoas gostam de um toque pessoal. Por isso, queremos estar todos envolvidos como família. Queremos colocar o nosso suor no projecto.”
A casa, recuperada do abandono pelo barão Bodo nos anos 1960, era “ainda muito final do século XIX, escura, com cercas, jardins, rodeada de vegetação”. Antigamente, “as pessoas gostavam de fechar tudo”, no Casal Sta. Maria gostam “de tudo aberto, de deixar entrar a luz”. O desafio, explica Nicholas, é não esquecerem o espírito de Bodo, a que ficaram “muito presos no último ano e meio”, e gradualmente começarem a colocar a “personalidade no Casal Sta. Maria”.
Quanto aos vinhos, vê o que existia como “um diamante em bruto mas em mau estado, que precisava de ser polido nas várias faces”. E isso passa, entre outras coisas, por uma maior selecção das castas a usar — “há dez anos o meu avô, como não sabia exactamente o que queria fazer, plantou mais de vinte castas” — mas mantendo o trabalho com as castas estrangeiras e os monocastas, porque Nicholas acredita que é isso que pode diferenciar o Casal.
“Quero continuar a fazer o Malvasia e o Ramisco [castas usadas para o DOC Colares], mas não vou plantar Touriga Nacional e competir nesse mercado. O meu avô não era português e se o Casal Sta. Maria é uma casa portuguesa, a família dá-lhe um toque internacional. Para mim é um desafio fazer deste vinho um sucesso com castas internacionais”, declara. Até porque o Sauvignon Blanc ou o Chardonnay feitos aqui terão sempre o terroir particular da região e essa é uma história que Nicholas quer continuar a contar — está, aliás, a recuperar o design antigo para os rótulos do vinho de Colares.
Encantou-se, entretanto, com o Portugal que encontrou (apesar do frio e da chuva que nos receberam em Colares). “Encontrei aqui o que havia em Espanha há 30 ou 40 anos. Espero que Portugal consiga manter esta fórmula; Espanha teve-a nos anos 1960, 70 e 89 e, de repente, evaporou-se.” Também aí, Bodo von Bruemmer parece ter sido um visionário: “Lembro-me dele, há dez ou vinte anos, levantando um dedo, dizer-me: ‘Nicholas, um dia irás lembrar-te do que eu te digo, Portugal vai tornar-se o melhor país da Europa.’ E tinha razão.”
Com Nicholas e a família, o Casal Sta. Maria quer ser uma casa aberta aos visitantes, com uma aposta forte no enoturismo e nos eventos para grupos. Pragmático — “encaro isto como um investimento, os sonhos não pagam as contas” —, o novo barão quer que o enoturismo passe a ser tão importante como o negócio do vinho. “Não podemos ter apenas um sonho, precisamos de um modelo económico que funcione.”
Numa carta no site do Casal, escrita no Verão de 2016, Bodo von Bruemmer conta a história da sua vida, diz que “a energia começa lentamente a diminuir” e despede-se com um desejo: “Sinceramente, espero que todos vocês possam um dia visitar-nos e que fiquem maravilhados com o Casal Sta. Maria tanto quanto eu fiquei em 1962, quando o vi pela primeira vez. Apreciem os nossos vinhos e o Casal Sta. Maria. A nossa casa é vossa.”