Só um refugiado conseguiu reunir a família em Portugal
SEF demora meses para analisar os 15 pedidos que deram entrada para a vinda de familiares de refugiados. Mais de 1500 pessoas chegaram desde Dezembro de 2015. Permanecem no país menos de 700
Tamam Al-Najjar esperou ansioso por uma entrevista na Direcção Regional de Lisboa do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Esperou desde Novembro. Na semana passada, ficou a saber que terá de aguardar mais cinco meses para poder (ou não) tratar da vinda da família da Turquia para Portugal. “Nenhum caso é tratado como excepcional”, avisa a funcionária.
Se a resposta for positiva e for dado despacho favorável do instrutor do processo, terá 90 dias para fazer chegar essa autorização à família em Istambul, e esta por sua vez terá que viajar até Ancara, para apresentar no consulado de Portugal, a autorização obtida no SEF, e ter o visto – para viajarem para Portugal – carimbado nos seus passaportes.
Antes desta resposta, Tamam Al-Najjar convencera-se de que entregando os documentos exigidos, como fez na semana passada, poderia trazer a família da Turquia em poucas semanas.
Cinco meses para 15 pedidos
Só um pedido de reagrupamento familiar – dos 15 que deram entrada no SEF – teve resposta positiva, de acordo com os dados recolhidos pelo PÚBLICO (até 15 de Abril) junto das cinco principais entidades que, desde Dezembro de 2015, começaram a acolher refugiados no âmbito do Programa de Recolocação da União Europeia (UE). Da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), houve pedidos de dois refugiados, do Conselho Português para os Refugiados (CPR) houve quatro, da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) deram entrada três, da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) “com toda a certeza” apenas um, e da Câmara Municipal de Lisboa (CML) foram entregues cinco pedidos.
A única pessoa que já conseguiu trazer a família está precisamente entre os 25 refugiados acolhidos pela CML aos quais o estatuto e o título de residência foram concedidos. A autarquia acolheu 244 refugiados no total, mas 149 já saíram do país.
O tempo de espera estimado para um pedido de reagrupamento (segundo a resposta informal dada ao balcão pelos serviços do SEF) é de cinco meses. Tratar 15 casos em cinco meses, significa despachar três num mês? O SEF apenas explica, por email, que “a análise dos processos é feita por ordem cronológica de entrada, de acordo com o estabelecido pelos princípios do Código do Procedimento Administrativo”.
Tamam chegou da Síria em Março de 2016, e obteve o título de residência 18 meses depois. Só então lhe marcaram uma data para a entrega dos documentos da família. O processo da mulher e dos quatro filhos está pronto desde Novembro do ano passado, com as fotocópias autenticadas dos seus passaportes à espera de serem entregues.
Dois anos sem ver a família
A este encontro no SEF, Tamam chega muito antes da hora marcada (9h45) e aguarda pacientemente numa fila para receber as cinco senhas necessárias para ser atendido: uma para cada elemento da família que quer trazer para Portugal. Por todos preenche 10 formulários.
O sírio de 42 anos mantém o olhar expectante como se a entrega de toda a papelada viesse a produzir um efeito mágico. Um amigo italiano repete-lhe em árabe que os processos estão a demorar entre cinco a seis meses e é esse o tempo que terá de aguardar. Tamam quase perde o controlo, antes de se entregar a uma fúria contida e sair em passo rápido, como quem decide abandonar tudo.
Depois da guerra, da fuga, das travessias perigosas para chegar onde chegou, é agora a demora que ameaça converter-se em perda. Pelas contas, só em Outubro deste ano, irá receber a notificação do SEF. Nela estará a resposta ou a marcação de um novo agendamento para saber a resposta. Na vida de Tamam Al-Najjar, terão passado dois anos e meio sem ver os quatro filhos (uma filha nasceu já depois de ele sair da Turquia) e a mulher, com quem Tamam fala diariamente e a quem envia todos os meses 350 dos 500 euros que recebe de um trabalho de motorista, quase duvida que tamanha demora seja possível.
Quando chega finalmente a sua vez, e se senta hesitante na cadeira, a funcionária do SEF começa por avisar que por cada senha terá de esperar de novo pela sua vez. “Qual vez?”, questiona o amigo italiano que o acompanha. “O processo é para trazer a família de uma só vez. A família é só uma”, argumenta.
“Cada processo é relativo a uma pessoa e vários processos não podem ser tratados num só atendimento”, contrapõe a funcionária. O amigo italiano fala árabe e traduz para que Tamam Al-Najjar possa responder a perguntas como “Quem é a senhora da fotografia na cópia do passaporte autenticada” – “A minha esposa” – ou outras não previstas na lei como por exemplo se tem casa ou contrato de trabalho, naquilo que o membro do secretariado técnico da PAR e director-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS na sigla inglesa), André Costa Jorge, considera ser “uma atitude abusiva” por parte de funcionários. “As pessoas dão-se ao luxo de assumir este tipo de postura”, diz sobre o atendimento dos refugiados pelos serviços da Administração Pública.
Recusas nos serviços
Além dos atrasos nas respostas, há atrasos nos agendamentos, aponta André Costa Jorge. “Demoram mais de seis meses.” Há pessoas que desejam trazer a família e ainda não tiveram oportunidade pela demora no agendamento; há outras que desejam fazê-lo mas não podem porque ainda não receberam o título de residência; e há as que tentaram e viram o seu pedido recusado.
Uma família que chegou a Portugal em Maio de 2016, obteve o estatuto de protecção internacional em Abril de 2017 e o agendamento ficou marcado para Setembro de 2017; o SEF não aceitou o pedido alegando que os documentos não estavam traduzidos e não aceitou que as traduções fossem entregues posteriormente; neste caso foi necessário efectuar novo agendamento marcado para cinco meses depois (Fevereiro de 2018).
Outra família chegou a Portugal em Fevereiro de 2016 e não conseguiu entregar o pedido na primeira entrevista agendada depois de obter o estatuto (em Novembro de 2017). “O SEF não aceitou dar entrada dos documentos alegando não estarem autenticados, e mais uma vez foi necessário fazer novo agendamento que foi marcado para Junho de 2018”, conta André Costa Jorge.
Das pessoas acolhidas pela PAR que ainda permanecem em Portugal (287 pessoas), cerca de 140 obtiveram o estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária e dessas, as únicas duas que conseguiram dar entrada do pedido (em Fevereiro e Março de 2018) aguardam decisão. Sete ainda não conseguiram entregar documentos.
Também sem resposta continuam os três pedidos feitos pelos refugiados acolhidos pela CVP. Dos 126 acolhidos por esta instituição, 63 abandonaram o programa e 47 já têm título de cidadão (por via do estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária).
O mesmo aconteceu com o único pedido que deu entrada entre os refugiados acolhidos pela União das Misericórdias Portuguesas (UMP) ou com os quatro refugiados acolhidos pelo CPR, que entregaram os mesmos pedidos e ainda aguardam. “Não temos conhecimento que os referidos membros familiares tenham já chegado a Portugal”, diz a porta-voz do CPR, Mónica Fréchaut. “Uma das maiores dificuldades tem sido a obtenção da documentação necessária, nomeadamente comprovativos de laços familiares e documentos de viagem.”
Mais de metade saiu
No total, juntando as cinco principais entidades acolhedoras, 1509 foram acolhidos e 852 abandonaram o programa (56%) e terão saído de Portugal. O SEF diz que Portugal recebeu um total de 1547 requerentes de protecção internacional, entre Dezembro de 2015 e 31 de Março deste ano, e foram concedidos, até essa data, 420 estatutos de protecção internacional.
O Programa de Recolocação tinha o fim previsto em Setembro de 2017, informa o SEF. “Em virtude de existirem ainda numerosas transferências por se realizar”, o prazo foi prolongado “por seis meses.” Até ao passado dia 31 de Março, continuaram abertas as inscrições, na Grécia e na Turquia, para os países, como Portugal, que acolheram no quadro do programa.