Governo aproveita crescimento e desiste de baixar carga fiscal
Com a economia a crescer e o défice a baixar rapidamente, o Governo traça no Programa de Estabilidade uma estratégia que evita medidas significativas, seja de consolidação, de agravamento da despesa ou de corte nas receitas.
Depois do resultado melhor que o previsto em 2017, é aproveitando os efeitos positivos do crescimento acima de 2%, desistindo de uma baixa significativa da carga fiscal, reforçando o investimento e mantendo a despesa controlada sem anunciar novas medidas que o Governo pretende nos próximos anos colocar as finanças públicas portuguesas com um excedente confortável e com a dívida pública outra vez muito perto dos 100% do PIB.
No Programa de Estabilidade entregue esta sexta-feira à noite no parlamento, o Governo confirmou que, apesar da pressão dos partidos à sua esquerda para que seguisse no caminho contrário, decidiu aproveitar o brilharete orçamental de 2017 para tornar as suas metas para o défice e para a dívida mais ambiciosas. No défice, reviu em baixa a meta para este ano dos 1,1% que estavam inscritos no Orçamento do Estado para 0,7%, uma redução de cerca de 800 milhões de euros. E na dívida pública, a projecção para 2018 passou de 124,2% para 122,2% do PIB.
Na conferência de imprensa, Mário Centeno justificou esta opção, afirmando que esta é a forma de o país se proteger contra um “risco que existe e que é maior do que parece”. “Não temos memória curta. Eu não seguirei esse caminho", disse.
No entanto, se é verdade que optou por guardar os ganhos que obteve em 2017, também é notório que não o fez na sua totalidade. Tanto no Programa de Estabilidade de 2017 apresentado há um ano, como no OE 2018 proposto há sete meses, o Governo traçava para 2018 uma redução do défice de 0,5 pontos percentuais. Agora, depois do défice de 0,9% em 2017, essa descida é de apenas 0,2 pontos. Em milhões de euros, é a diferença entre um corte de 960 milhões antes planeado e um de 370 milhões definido agora, de acordo com os números apresentados pelo ministro das Finanças nos momentos do seu discurso em que tentava fazer passar a mensagem à esquerda de que não há, neste Programa de Estabilidade um reforço do esforço de consolidação.
Um dos principais argumentos a dar força a essa ideia é o facto de a redução do défice e da dívida surgir num cenário em que é muito reduzido o efeito de novas medidas a anunciar. No Programa de Estabilidade o Governo diz que as novas medidas terão um efeito positivo no saldo orçamental de 0,3 pontos em 2019 e de 0,1 pontos em 2020, passando para um efeito negativo de 0,1 pontos nos dois anos seguintes. E o impacto positivo de 2019 na sua maioria a uma poupança obtida na despesa com juros através de uma medida que não é detalhada no documento.
A diferença entre as metas traçadas no programa e o cenário de políticas invariáveis (o que aconteceria se o Governo não tomasse novas medidas) é muito reduzido, apenas com uma variação ao nível da despesa em 2019, por causa dos juros.
O que isto significa é que o Governo não toma medidas, nem de contenção, nem de expansão orçamental, preferindo que o efeito das melhores condições económicas actue, reduzindo progressivamente o défice e abatendo rapidamente a dívida.
De facto, com um crescimento que se prevê que permaneça sempre ligeiramente acima de 2% ao longo dos próximos quatro anos, ao não prever tomar medidas importantes, dois efeitos principais são esperados pelo Governo nas finanças públicas.
Do lado da receita, a cobrança de impostos e de contribuições sociais tenderá a acompanhar o andamento da economia. Ao contrário do que aconteceu nos anteriores Programas de Estabilidade apresentados, desta vez o Executivo não traça um cenário de descida significativa da carga fiscal (peso das receitas fiscais e das contribuições sociais no PIB) e, depois da subida registada no ano passado, aponta para uma estabilização deste indicador que passa de 34,5% em 2017 para 34,4% em 2022, isto apesar de prever um descida do IRS em 2021 que custará 200 milhões de euros.
No Programa de Estabilidade do ano passado, o Governo acreditava ser possível reduzir a carga fiscal em 0,5 pontos em quatro anos para 33,7% em 2021.
Do lado da despesa, aquilo que se verifica é a manutenção da expectativa de descida do peso na economia ao mesmo ritmo que estava previsto nos programas anteriores, baixando-se de 43,8% em 2017 para 41,4% em 2022.
O único ano em que essa tendência não se verifica é em 2018, onde o peso da despesa até aumenta. No entanto, isso acontece porque para este ano, o Governo incluiu nas suas contas despesas de carácter extraordinário no valor de 1250 milhões de euros, dos quais se destacam 792 milhões de euros relacionados com o Fundo de Resolução e as injecções na banca.
Quando se olha para rubricas como as despesas com pessoal, com consumos intermédios e com prestações sociais, as taxas de crescimento implícitas – de 1,9%, 1,9% e 3,2% - ficam todas abaixo do crescimento do PIB nominal que se prevê seja de 3,8%. As taxas de crescimento nestas despesas são superiores às que estavam previstas no OE, mas como a execução de 2017 ficou bem abaixo do previsto, o valor que o Governo pretende gastar é agora mais baixo do que aquele que foi aprovado no OE.
Ao nível do investimento público, que o Governo pretende transformar na grande aposta dos próximos anos, prevê-se uma subida em 2018 de 1,8% para 2,3%, sendo o indicador que mais sobe. No sentido contrário, o peso da despesa com juros cai de 3,9% para 3,5%.
No Programa de Estabilidade, que depois de passar pelo parlamento, será entregue em Bruxelas, não é dado muito destaque às regras europeias. E mais, apesar de rever em baixa as metas para o défice público, o Governo apresenta no Programa de Estabilidade objectivos para o saldo estrutural (o saldo que retira da análise os efeitos da conjuntura e as medidas extraordinárias) que não cumprem o que está definido nas regras orçamentais europeias.
É verdade que o Governo espera atingir o objectivo de médio prazo para o saldo estrutural que lhe é pedido por Bruxelas, com um excedente de 0,3% em 2020. Mas isto é conseguido com melhorias anuais do saldo estrutural que ficam tanto em 2018 como em 2019 ligeiramente abaixo dos 0,5 pontos exigidos por Bruxelas. Nesses dois anos, a redução é de 0,4 pontos e 0,2 pontos respectivamente. Em 2020, já na próxima legislatura, verifica-se uma aceleração, com o saldo a melhorar 0,7 pontos.