Lula nunca cultivou um sucessor no PT, e não foi por acaso

Investigadora norte-americana, especialista na esquerda latino-americana, diz que começam a ver-se ecos do Partido dos Trabalhadores histórico.

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Reuters/RICARDO MORAES

Lula da Silva nunca “cultivou” um sucessor na liderança do Partido dos Trabalhadores (PT), nem alguém que o pudesse substituir com sucesso na candidatura à presidência em 2018, se ele fosse impedido de o fazer, diz Wendy Hunter, professora da Universidade do Texas em Austin, especialista em América Latina e especialmente no Brasil, com obra abundante publicada sobre o PT de Lula.

“Provavelmente não foi por acaso. Mas não deixa de ser estranho, e merece análise, uma vez que o PT é um partido organizado e institucionalizado. Não devia ficar dependente de um único indivíduo, como Lula da Silva, ainda que seja alguém tão popular como o ex-Presidente, que tinha 80% de aprovação ao deixar o cargo”, disse ao PÚBLICO.

Dilma Rousseff, a sucessora de Lula na presidência, foi escolhida pessoalmente por ele, depois de ter sido ministra das Minas e Energia, e responsável da Casa Civil. “Mas não era sequer uma petista histórica, o que a tornava bastante dependente do ex-Presidente”, frisa Wendy Hunter. “Talvez estejamos a encontrar aqui um tema!”

O PT vai voltar à oposição – o seu papel histórico, até 2003, frisa a investigadora norte-americana, que estuda as esquerdas latino-americanas. “Será interessante observar como é que o PT se comporta na oposição. Começam a ver-se ecos do velho PT de confronto e obstrucionista, como a ameaça de boicotar as eleições presidenciais, em vez de apoiar outro candidato”, sublinha.

Wendy Hunter não acredita em cenários de fragmentação do PT. “O partido ainda tem muita força, a nível local e estadual, embora não tenha novos projectos. Tem força até mesmo em locais algo improváveis, como o estado da Bahia, onde tem o governador. A Bahia é, historicamente, um dos estados mais conservadores. Esta força não é uma simples função do controlo do Governo nacional.”

Alguns analistas têm especulado que os eleitores mais pobres poderão votar em Jair Bolsonaro, candidato de extrema-direita, que quer autorizar os polícias a disparar a matar contra os bandidos”. Mas a analista da Universidade do Texas não acredita nessa viragem. “Não penso que haja indícios disso. E não faz sentido, de um ponto de vista ideológico. Embora o voto lulista nunca tenha sido ideológico.”

“O crime e a insegurança são temas muito importantes, e as pessoas com menos recursos são mais facilmente vítimas de crime do que as que têm mais posses mais ricas, que podem comprar segurança privada. Por isso, faz mais sentido que sejam estas a migrar para um candidato de ‘defesa da lei e da ordem’. Veremos”, diz Wendy Hunter.

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