“Não podemos infantilizar a sociedade”, diz Adalberto Campos Fernandes
Numa cerimónia destinada a assinalar o Dia Mundial da Saúde, Jorge Sampaio defendeu que “o foco no financiamento é compreensível”, mas não pode “transformar-se num espartilho tal que a prazo acabe por destruir o sistema de saúde”.
O exercício de fazer um retrato da saúde em Portugal levou neste sábado vários peritos a apoiar uma mudança na saúde que coloque o cidadão no centro do sistema. Foi numa cerimónia que assinalou o Dia Mundial da Saúde, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O ministro da Saúde dirigiu a palavra aos profissionais do sector, afirmando que não devem apenas prestar cuidados aos cidadãos, “mas torná-los parte activa no processo de decisão”.
“Nós não podemos infantilizar a sociedade. Não podemos fazer de conta que, pela simples circunstância de termos estudado e sermos profissionais de saúde, sabemos mais sobre as necessidades de saúde dos cidadãos do que eles próprios”, afirmou Adalberto Campos Fernandes, no encerramento da cerimónia.
No final da sua intervenção, o ministro deu razão a Jorge Sampaio que, minutos antes, defendera necessidade de se “encontrar uma fórmula de equilíbrio virtuoso” no investimento que consolide o acesso universal à saúde. Para o antigo Presidente da República, a política de investimento tem que traduzir “o equilíbrio certo entre a proporção de população coberta, o leque de serviços oferecidos, a sua qualidade e os custos” a suportar. “A forma como tivermos sucesso nas próximas décadas nesta procura [desta fórmula] ditará o sucesso do SNS”, afirmou.
Para Jorge Sampaio, “o foco no financiamento é compreensível”, mas não pode “transformar-se num espartilho tal que a prazo acabe por destruir o sistema de saúde”. Para além de que, demonstrou, a promoção da saúde é também “um investimento com retorno financeiro e impacto social”, havendo "estudos que mostram que cada euro investido na saúde pública gera um retorno de seis euros no seio do sistema de protecção social”.
No painel que discutiu o relatório Retrato da Saúde, feito pelo ministério, António Rodrigues, gestor de projectos da Associação Nacional de Farmácias, e Ana Ferreira de Castro, oncologista, reivindicaram que o cidadão deve estar no centro deste sistema. Uma posição apoiada por João Queiroz e Melo, o cirurgião pioneiro na transplantação cardíaca, distinguido neste sábado com o Prémio Nacional de Saúde, que sublinhou que em 1968, quando se iniciou na prática da medicina, o “ênfase dos cuidados estava nos médicos” e “hoje está nos gestores”.
Colocar os cidadãos no centro implicará, para além do papel na decisão, a incremento da literacia e educação para a saúde, defenderam. Reflectido neste retrato está o facto da capacidade económica, a qualidade de vida e de trabalho, o meio onde vivem e o grau de escolaridade ainda criar grandes disparidades quanto à saúde dos cidadãos.
“Bombo da festa político”
O Ministro da Saúde aproveitou também para analisar o cargo que ocupa, considerando que este “funciona em todas as legislaturas como uma espécie de válvula de descompressão para o Governo, assim como uma espécie de bombo da festa político”. Esta situação, acredita, decorre da “frustração e expectativas não satisfeitas” relacionadas com a exigência de recursos por parte de entidades do sector.
O que, diz o governante, continuará a acontecer, pois será “sempre impossível” satisfazer as constantes reivindicações de financiamento “face à imensidade de necessidades que temos”.
Adalberto Campos Fernandes comentou ainda aquilo que a oposição considera ser a dependência da saúde em relação às finanças, afirmando que “não se serve a saúde dos portugueses pensando que as dificuldades acabaram ontem e que o ministro da Saúde não tem mais dinheiro apenas e só porque terá um problema com o ministro das Finanças”. O governante afirmou que “não há serviço público de qualidade que resista a uma económica frágil e a conta públicas desequilibradas”.
Já o ministro-adjunto Pedro Siza Vieira, que discursou em substituição de António Costa, classificou o serviço público de saúde como “a mais bela construção da nossa democracia”, elogiando a “excelência” dos seus profissionais e dos resultados alcançados, em comparação com o crescimento socioeconómico do país. “Os indicadores de saúde que o nosso país apresenta são superiores àquilo que o nível de desenvolvimento económico e social justificaria”, afirmou.