Centeno não deu medidas à esquerda, só números

Programa de Estabilidade: reuniões entre Governo e parceiros à esquerda serviram para equipa das Finanças apresentar previsões: um défice de 0,7% e um crescimento de 2,3% este ano. Esquerda não fez (nem fará) propostas.

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Centeno não disse a BE e a PCP como conta conseguir um défice de 0,7%. E estes preferem nem perguntar LUSA/MÁRIO CRUZ

Depois de ter conseguido fechar 2017 com um défice de 0,9% do PIB (descontando o efeito CGD), sete décimas abaixo do inicialmente previsto, o Governo quer voltar a brilhar este ano e prepara-se para dizer a Bruxelas que afinal consegue chegar ao final do ano com 0,7%, em vez de 1,1%. Com que medidas e políticas concretas vai conseguir isso? Foi coisa que nem Mário Centeno nem os secretários de Estado explicaram aos partidos à esquerda do PS nas reuniões que tiveram no Parlamento na quarta-feira sobre o Programa de Estabilidade (PE).

E parece que não vão dar mais explicações até o documento entrar na Assembleia da República, no dia 13, já que não há mais encontros agendados. Será discutido a 24 — o CDS vai forçar a sua votação, para que os partidos da esquerda assumam a defesa do documento - e tem que chegar a Bruxelas até dia 30.

E se o Governo não explicou também é certo que BE, PCP e PEV não se preocuparam muito. A sua preocupação de base é outra: o Governo continua a preferir submeter-se às imposições dos défices de Bruxelas (e ir além deles), em vez de apostar no investimento público. Dito por palavras que estes três partidos usavam com Pedro Passos Coelho mas fogem a utilizar com António Costa: Portugal continua a querer ser o “bom aluno” perante a UE – e isso irrita-os.

A diferença entre o défice de 1,6% e de 0,9% (sem contar com a recapitalização da Caixa, que o elevaria para 3%) do PIB em 2017 representou mais de mil milhões de euros que podiam ter sido aplicados nos serviços públicos - e onde acabaram? “Na redução do défice para fazer boa figura para Bruxelas”, aponta o líder parlamentar comunista, João Oliveira.

De acordo com o jornal digital Eco, além de rever em baixa o défice deste ano, a versão preliminar do PE melhora ligeiramente a previsão do crescimento económico em uma décima, para 2,3%, aproveitando as últimas projecções do Banco de Portugal, mas ainda assim, abaixo dos 2,7% de 2017.

Do lado do BE, PCP e PEV há uma espécie de pacto de silêncio sobre o que a equipa das Finanças e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares lhes comunicaram na reunião. Os números-objectivo tiveram como cenário apenas explanações gerais de indicadores, como as exportações, consumo interno, emprego, inflação, taxas de juros, conjuntura internacional. Medidas concretas? Nada.

Ninguém comenta números nem cenários, mas o mal-estar é notório. Até porque, embora BE e PCP desvalorizem a importância do PE, sabem que ao inscrever estes valores no documento, o Governo pretende já balizar as negociações para o Orçamento do Estado para o próximo ano, cujas negociações devem começar em Junho. Mas continuam a acreditar que poderão encontrar soluções faseadas como as que ditaram o descongelamento de carreiras e salários na função pública, como aconteceu no orçamento deste ano.

No debate quinzenal, Jerónimo de Sousa colou discretamente a questão do défice à polémica dos apoios à Cultura. Lembrou que no ano passado a situação orçamental foi “melhor do que o previsto e, em vez de a utilizar para resolver problemas urgentes do país, o Governo usou-a para reduzir o nível do défice ainda mais do que já tinha decidido reduzir”. O líder comunista arriscou: o Governo optou por “levar ainda mais longe a obsessão pelo défice”. “Continua a faltar dinheiro para muita coisa; para a banca é que nunca falta”, criticou.

António Costa ressentiu-se e tentou justificar que o défice não foi “à custa do que quer que seja”, mas sim devido ao crescimento da economia; argumentou que o investimento cresceu 25%, a saúde recebeu mais 5%, a sobretaxa do IRS acabou e reduziu-se o horário semanal de trabalho na administração pública. E desafiou o PCP a “prosseguir, em conjunto [com o Governo] o caminho” de reversão dos cortes da direita.

Na entrevista desta quinta-feira ao PÚBLICO, Catarina Martins recorria a metáforas para fugir à pergunta sobre um eventual objectivo de défice zero para 2019. “É preciso ter cuidado, porque nós não podemos deixar que, para que Mário Centeno possa brilhar, os serviços públicos fiquem às escuras”, dizia a coordenadora bloquista, depois de defender que a atitude correcta do Governo devia ser “rever claramente as suas metas de investimento” em serviços públicos, como a saúde e educação, sectores essenciais onde o investimento “é cada vez mais baixo” apesar do crescimento do PIB.

E procurou mesmo desvalorizar o documento, dizendo que para o Bloco “já não tem o peso que teve”. Esta atitude é agora um princípio geral nos três partidos à esquerda do PS, que preferem distanciar-se e remeter a total responsabilidade pelo PE para o Governo – seja pelo seu conteúdo seja pela própria entrega em Bruxelas.

Já na terça-feira, Mariana Mortágua (BE) e Paulo Sá (PCP) deixaram o aviso ao próprio ministro das Finanças, quando este foi ouvido na comissão parlamentar de Orçamento. A primeira classificou Mário Centeno como “força de bloqueio” a investimentos nos sectores da saúde, educação ou infra-estruturas, como a ferrovia; e o segundo defendeu que o Governo devia ter ido executando despesa “necessária e imprescindível” ao longo do ano, à medida que percebeu que o défice ia ser inferior ao previsto.

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