A vida de Lula está difícil, mas o PT avisa que está com ele "até às últimas consequências"
Numa reunião de emergência após a decisão do Supremo, o partido marcou um acampamento em frente à casa do ex-Presidente e disse que vai convocar manifestações nacionais.
Faltavam três horas para o início da decisão mais importante da vida de Lula da Silva e o ambiente era de festa na sede do sindicato que o viu nascer para a luta política, há mais de 40 anos, ainda o Brasil estava e estaria refém da ditadura militar.
Acompanhado por Dilma Rousseff e outras figuras destacadas do Partido Trabalhista (PT) brasileiro no 2.º andar do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, Lula comentava o golo de bicicleta de Cristiano Ronaldo, na terça-feira, e antecipava a vitória do seu Corinthians na final do Campeonato Paulista por 2-0, no próximo domingo.
Mas, assim que a juíza Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, disse, por outras palavras, que iria permitir a prisão do ex-presidente, a esperança de Lula numa ressurreição política transformou-se num aparente reconhecimento de que o resultado da votação foi, isso sim, uma certidão de óbito: "Não iam dar o golpe para me deixarem ser candidato."
Este comentário de Lula da Silva, feito em privado logo a seguir ao voto decisivo da juíza Rosa Weber, foi transmitido a alguns jornalistas, que o destacaram mais tarde em notícias no Globo ou no Estado de S. Paulo – jornal que chamou "matreiro" ao ex-presidente brasileiro num editorial em que defendeu a sua prisão, publicado na quarta-feira, dia da votação no Supremo.
"Isso foi para tentar tirar o Lula da eleição, mas podemos registar a candidatura dele, mesmo preso. Acredito que Lula vai ficar pouco tempo na prisão", disse o deputado estadual do PT José Américo Dias, citado pelo Globo e pelo Estado de S. Paulo.
Planalto distante
Numa sessão que começou na tarde de quarta-feira e que se arrastou até às primeiras horas de quinta-feira, uma maioria de seis juízes contra cinco no Supremo Tribunal Federal decidiu que não havia mérito no habeas corpus contra a prisão de Lula da Silva – ou seja, o juiz federal Sergio Moro pode seguir em frente com a ordem de prisão dada ao ex-presidente pela condenação a 12 anos e um mês de cadeia, o que poderá acontecer a meio da próxima semana.
A defesa de Lula tem até terça-feira para interpor um novo recurso contra a decisão do tribunal de segunda instância, mas poucos acham que esse passo será bem-sucedido – assim que o recurso for rejeitado, o ex-presidente poderá ser preso a qualquer momento.
Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não se limitou a abrir as portas da cadeia a Lula da Silva – para além disso, e talvez mais importante, empurrou para a lista das coisas praticamente impossíveis a sua candidatura à presidência. De acordo com a lei brasileira, Lula da Silva poderá continuar a fazer pré-campanha eleitoral a partir da cadeia, mas o início do cumprimento da pena deverá levar o Tribunal Superior Eleitoral a recusar a sua candidatura oficial, em Agosto, com base na Lei da Ficha Limpa – segundo a qual um candidato que é condenado por mais do que um juiz fica impedido de se apresentar a eleições durante oito anos.
E é por isso que o foco da discussão nos media brasileiros já começou a desviar-se das reacções à decisão do STF e a centrar-se no futuro da corrida eleitoral ao Palácio do Planalto, em Outubro. E no próprio PT há quem ache que a insistência na candidatura de Lula da Silva é a pior estratégia possível para o partido – de acordo com "algumas lideranças" partidárias, o apoio incondicional dado à candidatura de Lula é "arriscado", escreve o Globo.
"Muitos especulam sobre o risco que a prisão pode ter para a imagem de Lula. A sua popularidade poderia derreter rapidamente. Ainda mais porque a corrida deve ganhar um novo nome nos próximos dias: Joaquim Barbosa (PSB). O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal é considerado por alguns 'petistas' como real ameaça à candidatura de Lula, já que também tem um histórico de vida de superação que pode conquistar a parcela mais pobre do eleitorado", escreve o jornal.
Acampamento e manifestações
No caso de Lula vir a ser impedido de se candidatar, os media brasileiros dizem que o candidato preferido pela cúpula do PT para o substituir é Fernando Haddad, prefeito da cidade de São Paulo entre 2013 e 2016 e ministro da Educação nos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
Ainda assim, o PT não dá nenhum sinal público de que poderá vacilar no apoio a Lula da Silva depois da decisão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal. Num comunicado publicado na madrugada de quinta-feira, que antecipa o apelo a manifestações de apoio a Lula, o partido disse que "defenderá esta candidatura nas ruas e em todas instâncias, até às últimas consequências".
Mas o momento no PT é de luta contra aquilo a que muitos chamam "golpe" – um processo político e judicial que, segundo os defensores desta tese, começou com a destituição da Presidente Dilma Rousseff, em 2016, e continua agora com a tentativa de afastar Lula da Silva de uma nova candidatura à presidência.
O epicentro da resposta do PT à decisão do Supremo Tribunal Federal, e do futuro da candidatura de Lula da Silva, foi São Paulo – foi para lá que viajou, na manhã de quinta-feira, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, com o objectivo de coordenar com Lula os próximos passos a dar.
Os primeiros indícios dessa estratégia, pelo menos para os próximos dias, estão reflectidos no comunicado do PT, em que o partido acusa o Supremo Tribunal Federal de "ajoelhar-se ante a pressão escandalosamente orquestrada pela Rede Globo" – numa referência à tese de que o grupo de media quis promover um golpe militar quando, na noite de terça-feira, encerrou o seu Jornal Nacional com a leitura de uma mensagem do comandante do Exército, general Villas Bôas, em que o responsável militar se referiu ao "repúdio da impunidade e de respeito à Constituição" e sublinhou que o Exército brasileiro "mantém-se atento às suas missões institucionais".
No final da reunião de emergência em São Paulo, na tarde desta quinta-feira, o PT definiu três linhas para a resposta à decisão do Supremo, que passam pelas ruas e pela pressão sobre os juízes.
Como forma de protesto popular, o partido quer montar um acampamento permanente em frente ao prédio onde Lula vive, em São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo, e apelar a manifestações nacionais. Ao mesmo tempo, vai pressionar o Supremo para que julgue as Acções Declaratórias de Constitucionalidade sobre a prisão após condenação em segunda instância como regra geral – a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, foi criticada por apoiantes de Lula, e por alguns dos seus colegas, por ter marcado a votação sobre o habeas corpus do ex-presidente (que só lhe diz respeito a ele) antes da votação sobre as tais Acções Declaratórias de Constitucionalidade (que estabelece uma decisão aplicável a todos).
Os críticos da presidente do Supremo dizem que essa decisão foi tomada precisamente para permitir a prisão de Lula da Silva, mas os seus apoiantes dizem que os seis juízes que rejeitaram o habeas corpus do ex-Presidente também aprovariam a prisão após condenação em segunda instância como regra geral. Mas, em teoria, os juízes que permitiram a prisão de Lula poderão rejeitar a ideia de que um condenado em segunda instância deve começar a cumprir pena; se isso acontecer, a decisão de quarta-feira do Supremo voltará a ficar no centro da discussão no Brasil.