Alfarrabista resiste na Rua das Flores com renda dez vezes mais alta
Novo contrato subiu a renda do alfarrabista de 85 para 850 euros. Ele diz que vai aguentar enquanto puder.
É um novo ano, a Primavera já chegou e João Soares ainda continua a manter a sua livraria de portas abertas no número 40 da Rua das Flores, no Porto. Uma vitória com custos muito elevados para o alfarrabista que há cerca de seis meses foi avisado que o seu tempo por ali tinha chegado ao fim. De 85 euros de renda mensal, que dizia pagar em Outubro, passou para 850 euros. “Vou tentar aguentar o máximo de tempo possível”, diz, sem saber exactamente quanto é que isso é.
Em Setembro do ano passado, os proprietários do prédio onde João Soares mantém a livraria de portas abertas há cerca de 20 anos, avisaram-no verbalmente que o seu tempo por ali tinha chegado ao fim. A razão era a mesma que afecta tantos antigos residentes e comerciantes do centro histórico: o edifício ia ser vendido e os inquilinos antigos tinham que sair. Deram-lhe, primeiro, 60 dias para abandonar o local, mas o prazo acabou esticado até ao final do ano, com a possibilidade de receber uma indemnização de 50 mil euros. Políticos locais e a Sociedade de Reabilitação Urbana apontaram caminhos ao alfarrabista de 72 anos, depois de a história ter chegado aos jornais. E ele até admitia sair, desde que fosse para um local onde passasse gente, embora preferisse continuar na localização de sempre. E é aí que continua ainda hoje.
João Soares explica que o prédio ainda não foi vendido e que lhe foi proposto um novo contrato, pelos proprietários. Pode ficar, pelo menos, por cinco anos, desde que pague uma renda mensal de 850 euros. A situação poderá ser revista no caso de o imóvel ser, efectivamente, vendido, e os novos donos quererem fazer obras profundas e prolongadas. Ou seja, “não ficou nada decidido em definitivo”, diz o alfarrabista, mas por enquanto o negócio continua.
Por quanto tempo é que João Soares não sabe, já que o valor da renda actual é, diz, “um exagero”. “É uma solução muito cara porque os portugueses estão a vir cada vez menos. Os turistas entram mais para fotografar, levam umas coisas leves, um postal ou assim. O livro está a ir com alguma dificuldade”, diz.
O que segura a actividade é que o ex-funcionário bancário tem uma reforma que o ajuda a pagar as contas e a livraria, admite, “é para matar um bocado o vício”, iniciado em 1955, quando comprou o primeiro livro usado. Por isso, a única garantia que deixa é que vai “tentar aguentar o máximo de tempo possível”. “É tudo uma questão de resistência”, diz. O que, neste caso, significa que a Rua das Flores ainda continua a ter um alfarrabista no número 40.