Israel recusa investigação à violência dos militares em Gaza
O Papa mencionou a Terra Santa “ferida por conflitos que não poupam os inocentes”, mas o Governo de Telavive mantém recusa de dar explicações. “Os soldados fizeram o que tinha de ser feito”, diz Netanyahu.
O ministro da Defesa israelita, o radical Avigdor Lieberman, rejeitou os pedidos do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e da líder da diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini, para que seja realizada uma investigação independente aos acontecimentos ao longo da fronteira de Gaza com Israel na sexta-feira. Foram mortos pelo exército israelita 16 palestinianos e mais de 770 pessoas terão sido atingidas por munições reais (o número duplica, se se contarem também os que ficaram feridos com balas de borracha e gás lacrimogénio).
O exército israelita não especifica qual foi a ordem exacta dada às tropas. Mas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu louvou os soldados que participaram na operação, dizendo que fizeram “o que tinha de ser feito”. “Israel age vigorosamente com determinação para proteger a sua soberania e a segurança dos seus cidadãos”, afirmou.
O mesmo disse o ministro Lieberman. “Os soldados israelitas fizeram o que era necessário. Todos os nossos soldados merecem uma medalha”, disse à Rádio do Exército. Os militares só dispararam contra os manifestantes que carregaram contra a cerca de segurança da fronteira, assegurou.
O Papa Francisco falou na “Terra Santa, nestes dias ferida por conflitos que não poupam os inocentes”. Não mencionou directamente a Faixa de Gaza na sua mensagem urbi et orbi, mas a referência ao que foi visto como uma política pensada de reacção violenta do exército israelita, face aos protestos palestinianos de sexta-feira, não escapou a ninguém. Nem sequer aos governantes e aos media israelitas.
O jornal Jerusalem Post faz uma análise sobre se o uso de força pelo exército israelita na fronteira com Gaza e o que pode esperar Telavive na cena internacional. “Vai gerar grandes alegações de crimes de guerra contra as quais Israel terá de se confrontar durante algum tempo”, diz o diário. “Mas Israel estará em desvantagem se compararmos com a guerra de 2014 [contra o Hamas], quando foram mortos 73 israelitas, e centenas ficaram feridos com os milhares de rockets disparados pelo Hamas”, reconhece o Jerusalem Post. “Desta vez, não houve civis [israelitas] em perigo imediato e, no máximo, o perigo era potencial.”
Até à catástrofe
Cerca de 30 mil palestinianos da Faixa de Gaza juntaram-se em seis pontos junto à fronteira com Israel na sexta-feira, o Dia da Terra, para iniciarem um protesto que está previsto durar até 15 de Maio — o dia da Naqba, catástrofe, em que cerca de 750 mil palestinianos foram forçados a deixar as suas terras, em 1948. Este foi o dia que se seguiu à criação do Estado de Israel — que este ano faz 70 anos, e cujo aniversário deverá ter o brilho especial do reconhecimento de Jerusalém como a capital israelita feito pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, ao arrepio do que tem sido a política internacional durante todos estes anos. E da prevista abertura da embaixada dos EUA na cidade dividida, reclamada pelos palestinianos também como a futura capital de um Estado independente.
Foi neste contexto que, num cenário de completo bloqueio diplomático, o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, lançou a Marcha do Retorno, o protesto que deveria durar até 15 de Maio. Israel respondeu sem moderação. Nas palavras da análise do Jerusalem Post: “Infelizmente, de uma perspectiva legal, as declarações israelitas antes deste incidente focaram-se na prontidão para usar munições reais.”
Os acontecimentos em Gaza valeram já uma reprimenda pública do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que chamou ontem “terrorista” a Netanyahu. “Você é um invasor. E tem um Estado terrorista. Sabemos o que fez em Gaza e em Jerusalém. Não há quem goste de sim em todo o mundo.”