Governo faz ajuste directo urgente de pulseiras electrónicas em falta

Ministério recorre a este meio mas já sabia que ia precisar de mais equipamentos desde o final de 2015. Regime que permite cumprimento de penas de cadeia em casa e está previsto no programa do Governo fez disparar procura de equipamentos.

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Ricardo Silva

A secretária de Estado Adjunta e da Justiça assinou esta terça-feira a portaria que vai permitir ao Governo continuar a descongestionar as cadeias, remetendo para prisão domiciliária pessoas condenadas a penas até dois anos de cadeia. O diploma, que ainda terá de ser assinado pelo secretário de Estado do Orçamento, prevê que sejam gastos 1,1 milhões de euros mais IVA até 2019 sem concurso público, por questões de urgência, para comprar 1500 pulseiras electrónicas.

Porém, a tutela sabia desde Novembro 2015 que a procura destes equipamentos ia disparar: o próprio programa do Governo fala na necessidade de reforçar a resposta do sistema nacional de vigilância electrónica, particularmente na execução das sentenças de prisão de curta duração. O que se passou então para ter recorrido, pela sexta vez consecutiva, à figura do ajuste directo para adquirir pulseiras?

Das várias explicações adiantadas pela secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, ressaltam as complicações geradas por um cenário em que os equipamentos de vigilância passassem a ser fornecidos por uma empresa diferente daquela que há anos abastece o Ministério da Justiça, a SVEP, com um contrato em vigor até 2019. “Seria esquizofrénico ter dois sistemas diferentes no terreno”, observa a governante, fazendo eco daquilo que pensam os técnicos da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que lidam com as pulseiras.

Na realidade, ainda não é certo que isso não possa vir a suceder. Preterida a favor da SVEP no último concurso público internacional lançado para o efeito, a Meo/Altice recorreu para os tribunais no Verão de 2016. Perdeu na primeira instância, mas ainda está pendente um recurso seu no Tribunal Central Administrativo Sul. Os técnicos não vêem com bons olhos a tecnologia israelita com que concorreu, mais barata que aquela empregue pela sua adversária. Acham que lhes pode trazer mais problemas, e temem o dia em que venham a ser obrigados a mudar todo o sistema. Helena Mesquita Ribeiro aponta esta impugnação judicial como justificação para os cinco ajustes directos anteriores a este último, feitos com a anuência do Tribunal de Contas. Como a impugnação suspendia, por lei, os efeitos do concurso público, que tinha um valor de 4,5 milhões de euros e se destinava a adquirir 1400 pulseiras, não lhe restou outra alternativa.

Lei entrou em vigor em Novembro

Porém, nesta altura a questão do aumento da procura por via do cumprimento das penas curtas em casa ainda não se punha: a lei que aponta este caminho aos juízes só entrou em vigor em Novembro do ano passado. Os resultados desta medida, anunciada logo em 2015 e à qual o actual director dos serviços prisionais aludiu no seu discurso de tomada de posse, no ano seguinte, não se fizeram esperar: nos primeiros dez meses e meio de 2017 foram decretadas 88 penas de prisão domiciliária, mas entre meados de Novembro e o final do ano, já com a nova lei, foram aplicadas mais 42. E se estendermos a análise até ao passado dia 20 de Março temos um total de 211 sentenças do mesmo género. É verdade que mais de metade corresponde a pessoas que, já estando a cumprir prisão na cadeia, fosse em regime contínuo ou aos fins-de-semana, beneficiaram deste novo sistema indo para casa com pulseira. Mas 94 destes casos correspondem a novas decisões, o que resulta numa procura média da ordem das 23 pulseiras mensais. Contas em que não se incluem as pulseiras aplicadas aos casos de violência doméstica, que funcionam não por rádio-frequência, como estas, mas por GPS.

Mas como pode o Ministério da Justiça não ter previsto tal aumento da procura, quando a isso já aludia também um relatório sobre o sistema prisional que divulgou em Setembro passado? "É previsível que a alteração legislativa do regime de penas curtas de prisão faça aumentar o número de casos monitorizados pelo sistema de vigilância electrónica”, referia o documento. A secretária de Estado Adjunta e da Justiça fala num erro de cálculo da anterior equipa que estava à frente dos serviços prisionais, que não providenciou equipamentos suficientes sequer para as necessidades correntes, e muito menos para as decorrentes da alteração legal que permitiu a mais condenados cumprirem pena na habitação. Por fim, justifica ainda a governante, “os procedimentos que a administração pública tem de seguir não abonam em favor da celeridade”.

Governo diz não estar refém de uma empresa

Helena Mesquita Ribeiro nega que as questões tecnológicas possam ter feito com que o Estado ficasse refém de uma empresa. E diz que vai lançar um novo concurso público internacional para 2020 e anos seguintes. Seja como for, assegura, o erário público não saiu prejudicado, uma vez que as pulseiras que a SVEP vai vender ao Ministério da Justiça por ajuste directo – 1200 das quais para prisão domiciliária, sendo as restantes destinadas à violência doméstica – sairão ao mesmo preço daquelas que forneceu por concurso público.

“Não vão faltar pulseiras”, reitera a governante. Dos 1400 equipamentos adjudicados através daquele procedimento concursal, estavam a ser usados 1204 no passado dia 20 de Março. Ou seja, só sobravam 196. 

Mas nem só de pulseiras se faz a vigilância electrónica: são também necessários técnicos e automóveis para os transportar de domicílio em domicílio, e a frota automóvel do Ministério da Justiça não se encontra nas melhores condições. E apesar do relatório das cadeias dizer expressamente ser preferível, no que à aplicação e manutenção do sistema de pulseiras diz respeito, comprar viaturas em vez de optar pelo seu aluguer, foi ao aluguer que o Ministério da Justiça recorreu para arranjar dez veículos em Setembro passado. Helena Mesquita Ribeiro está à espera de autorização dos seus colegas das Finanças para arranjar mais carros.

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