Os psicopatas são capazes de ter a perspectiva dos outros?

Estudo que incluiu 106 homens detidos nos EUA concluiu que os psicopatas falham na tarefa de perceber automaticamente a perspectiva dos outros, uma característica típica da cognição humana.

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O cérebro de um psicopata funciona de forma diferente

Quando se discursa perante uma plateia, será impossível ignorar as pistas dos ouvintes, seja um bocejo ou um olhar atento. Este é um processo de reconhecimento automático da perspectiva dos outros e uma característica típica da cognição humana. O exemplo é dado por Arielle Baskin-Sommers, investigadora da Universidade de Yale (EUA) e uma das autoras de um artigo científico publicado recentemente na revista norte-americana Proceedings  of  the National Academy of Sciences (PNAS) em que se concluiu, após testes realizados em 106 homens detidos numa prisão de alta segurança no Connecticut (EUA) que os psicopatas têm uma “diminuição da propensão automática para assumir a perspectiva dos outros”.

“Há muito tempo que os investigadores se intrigam com o facto de os psicopatas – que se caracterizam por um comportamento anti-social e fracas emoções interpessoais – conseguirem um desempenho normal em testes clássicos para avaliar a capacidade de ter a perspectiva dos outros”, começa por explicar ao PÚBLICO Arielle Baskin-Sommers.

Esse terá sido o gatilho para o estudo que incluiu a avaliação de 106 homens detidos entre os 21 e os 67 anos. Desta vez, os testes psicológicos – com tarefas especialmente orientadas para a análise desta característica cognitiva – revelaram que “psicopatas e não psicopatas são capazes de ter a perspectiva dos outros quando isso lhes é explicitamente solicitado, mas os psicopatas são menos capazes de se envolver automaticamente neste processo”. Os resultados, diz a investigadora, sugerem que “estes indivíduos não possuem um aspecto típico da cognição humana, o que poderá contribuir para o seu comportamento anti-social implacável”.

O título do artigo publicado na PNAS (“Psicopatas falham em perceber automaticamente a perspectiva de outros”) faz claramente a distinção entre esta percepção automática do outro e um outro processo controlado e deliberado. Apesar de notar que estes indivíduos exibem um desrespeito “crónico e notório” pelo bem-estar de outros com um comportamento insensível e manipulador, os autores lembram que este perfil dos psicopatas tem sido associado a défices nos processos sociais e afectivos. “No entanto, com este estudo mostramos que alguns dos comportamentos psicopáticos podem ser originados num défice cognitivo, especificamente uma incapacidade de automaticamente reconhecer a perspectiva do outro.”

Os estudos anteriores, adiantam os cientistas, basearam-se apenas em testes numa vertente controlada da teoria da mente (ToM, na sigla em inglês) e que também é conhecida como perspectiva cognitiva, consistindo precisamente na capacidade para atribuir estados mentais a outras pessoas e, dessa forma, prever o seu comportamento.

Neste caso, os investigadores quiseram testar o processo de ToM automático e perceber se os psicopatas mantinham o bom desempenho normal observado em estudos anteriores com o processo controlado e deliberado. “Com os processos de ToM automáticos, um indivíduo representa os pensamentos ou sentimentos de outra pessoa sem pretender fazê-lo, mesmo nos casos em que tal processamento seja irrelevante para a tarefa em questão”, descreve o artigo na PNAS. E, conclui-se, os psicopatas falham nesta acção imediata.

“É como falar numa aula: a atenção não deve estar na audiência, mas é impossível ignorar as pistas sociais, como um bocejo. Posso adaptar o que estou a dizer ou a forma como estou a falar para reagir a essas dicas. Isso reflecte o nosso processo automático de considerar os pensamentos dos que nos rodeiam. Não preciso deliberadamente de ter a perspectiva dos meus alunos, isso simplesmente acontece automaticamente”, exemplifica Arielle Baskin-Sommers.

Os limites da cognição

Esta perspectiva automática e aparentemente involuntária, que os psicopatas parecem não conseguir alcançar, e a perspectiva controlada e deliberada são uma parte fundamental da cognição humana. Os investigadores também demonstram neste artigo que a magnitude desta interferência no processo automático de ter a perspectiva dos outros “está correlacionada com os comportamentos insensíveis no mundo real”, como, por exemplo, o número de ataques de que são acusados. No caso das tarefas que exigiam uma ToM controlada, os psicopatas responderam com um desempenho normal.

Os autores lembram ainda que os psicopatas têm sido descritos como “almas esvaziadas” e sem escrúpulos e que alguns clínicos consideram a psicopatia como uma síndrome de insanidade moral. Isso quer dizer que estas “almas esvaziadas” podem ter a perspectiva de outros (não mostrando défice nas capacidades de ToM em processos controlados), mas que, simplesmente, não se importam? “Não penso que seja justo dizer que não se importam. Eles mostram uma diminuição da propensão automática para assumir a perspectiva dos outros, que é um processo cognitivo. Não é necessariamente consciente. Quando são convidados a entender explicitamente a perspectiva dos outros, conseguem fazê-lo”, responde Arielle Baskin-Sommers, adiantando que o seu laboratório está a realizar “vários estudos sobre a identificação e especificação dos limites da cognição em indivíduos psicopatas”.

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