Costa e Marcelo unidos na “sensibilização” a 250 km de distância

Na semana em que foi conhecido o relatório sobre os incêndios de Outubro, o Presidente da República foi mostrar ao Governo que não há “desunião” na “causa nacional” que é a limpeza das florestas.

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Um a sul, outro a norte. Um de botas calçadas, outro de sapatos, mas ambas enlameadas pela chuva que se fez sentir todo o dia. Um de helicóptero, outro de carro. Foram estas as diferenças entre o primeiro, António Costa, e o segundo, Marcelo Rebelo de Sousa. De resto, primeiro-ministro e Presidente da República afinaram as mensagens neste dia “simbólico” para mostrar que as matas e terrenos têm de ser limpos, porque esta é uma “causa nacional”. O chefe de Estado juntou-se à acção de sensibilização do executivo, que colocou ministros e secretários de Estado no terreno em acções de limpeza da floresta, e foi porta-voz da necessidade de um toca a reunir em torno das medidas de prevenção de incêndios. As dúvidas sobre a resposta que está a ser dada ficaram lá atrás ou para outras ocasiões.

A dois meses da época de fogos, e numa semana em que foi conhecido o relatório da Comissão Técnica Independente sobre os incêndios de Outubro, que mostra que houve falhas na prevenção e onde é referido que nem todos os reforços de meios pedidos pela Protecção Civil foram concedidos “a nível superior”, Marcelo Rebelo de Sousa preferiu dar o braço ao Governo e deixou os puxões-de-orelhas para o que disse no discurso de 17 de Outubro de 2017. “Não queria regressar ao passado. O que tinha a dizer disse-o em Outubro”, começou por afirmar. “Não se tente encontrar divisões, angústias, hesitações, naquilo que é uma causa nacional. Não vamos agora encontrar divisões que não existem numa causa em que todos somados somos poucos. Divididos não somos suficientes”, respondeu o Presidente quando questionado se mantém as dúvidas sobre se o Governo tudo está a fazer nas medidas de prevenção para enfrentar o próximo Verão.

Depois de um trilho em passo apressado pela Serra do Crasto, em Viseu, onde militares de várias regiões do país estão a criar faixas de gestão de combustível e a limpar o mato junto de casas e estradas, o chefe de Estado repetiu uma ideia: “Não sou dado a angústias metafísicas, sou dado a determinação e decisão. Tudo o que é preciso fazer, que o Parlamento entenda ou o Governo, o Presidente apoia. Desde Outubro o tenho dito”.

Costa nos Vermelhos

E esse “tudo” para o Governo de António Costa foi, este sábado, uma acção de sensibilização. A operação do chefe do Governo começou de manhã nos Vermelhos (Loulé), uma aldeia em plena Serra do Caldeirão, que foi arrasada pelas chamas no grande incêndio de 2004, que queimou quase toda a zona do interior da região. De novo, o sítio (freguesia do Ameixial) está na lista das zonas de risco. “Nem desvalorizar os riscos, porque isso é um perito, nem ficarmos paralisados com medo. Quando há um risco nós devemos procurar identificá-lo, mitigá-lo de forma a aumentar a segurança de todos”, enfatizou o primeiro-ministro. Para isso, o exercício deste sábado colocou no terreno em todo o território um dispositivo com cerca de 1600 militares e máquinas para abrir caminhos.

“Pela primeira vez, em muitos anos, está a haver uma consciência muito grande”, sublinhou António Costa, referindo, a quem critica, a escassez de tempo curto para cortar o mato que há ainda para desbravar e árvores por limpar.

Quem o criticou foi sobretudo o líder do PSD, Rui Rio, que considerou que este dia que pôs uma vintena de governantes a cortar mato, mesmo que por "simbolismo", mais não era do que uma “acção de marketing”. A resposta saiu também de Belém. Marcelo Rebelo de Sousa disse estar “acima dessa lógica do debate político”, que é natural, admitiu, mas “é tão importante que se ganhe este combate que é nacional” que esse “debate por mais votos, menos votos é secundário”. Já em Torres Vedras, o primeiro-ministro não deixou de assumir que se tratava de uma "acção de comunicação".

E se dúvidas houvesse para quem se estava a dirigir, o Presidente não deixou grande margem para interpretações: “Quem quer que seja governo hoje ou daqui a 4, 8, 12, 16 anos seja governo só ganha com a vitória neste combate. Quem achar o contrário é porque não tenciona ser governo tão depressa”, afirmou.

Ainda chegou a ser pensada uma acção conjunta entre primeiro-ministro e Presidente, e não se sabe ainda o porquê de a agenda dos dois os ter levado para pontos opostos do país: António Costa começou na Serra do Caldeirão, em Loulé, Marcelo Rebelo de Sousa na Peneda-Gerês. À tarde, o primeiro-ministro acabou em Torres Vedras e o Presidente na Serra do Crasto em Viseu, num município em que o presidente da Câmara, Almeida Henriques (PSD), tinha criticado esta acção concertada pelo executivo por ser "show off", mas acabou por aparecer ao lado do Presidente e dos dois ministros que o acompanhava, Azeredo Lopes, da Defesa, e Matos Fernandes, do Ambiente, que não foram limpar, mas ver como estava a correr os trabalhos. A Costa e Marcelo, separava-os uma distância de 250 quilómetros.

Pelo caminho, António Costa ainda foi a Portalegre, à Serra de São Mamede onde defendeu o outro ponto da política da floresta: além de limpar, é preciso criar valor, tornar a floresta uma fonte de riqueza, para que os proprietários, que muitas vezes abandonam os terrenos voltem a ter interesse neles e com isso, a zona florestal seja mais cuidada e preparada para mitigar efeitos dos incêndios.

“Quando as zonas de intervenção florestal e as entidades estiverem plenamente a funcionar, os próprios privados passam a ter rendimento da exploração florestal que permita fazer a limpeza. Nós temos de interromper este círculo vicioso em que o abandono ou a falta de rendimentos da floresta faz com que ninguém limpe”, afirmou o primeiro-ministro em Portalegre. Costa quer “interromper o círculo vicioso” para ter antes um “círculo virtuoso”.

"As cabras comem todos os dias"

Leonel Pereira guarda cabras-sapadoras desde os seis anos de idade na Serra do Caldeirão, foi o centro das atenções na visita de Costa à serra algarvia. A seu cargo tem cerca de centena e meia de animais – e faz prevenção contra incêndios todos os dias. “As cabras comem todos os dias, não distinguem domingos ou feriados.” E do que se alimentam? “Comem tudo o que seja verde.” O desafio que lhe propuseram, no âmbito das novas medidas de prevenção aos fogos, foi tomar conta de cerca de uma centena de hectares de esteva. “Ao fim e ao cabo - disse -, foi isso que sempre fiz. Mas, agora, prometeram apoio para aumentar o rebanho. Fiz a candidatura, vou esperar para ver se chega alguma coisa, com a idade que tenho [48 anos] só acredito quando vejo”, observou.

Na freguesia do Ameixial, no limite do concelho de Loulé com o Alentejo, a ocupação do território é de apenas 3,5 habitantes por hectare. A câmara de Loulé, entretanto, destacou do orçamento uma verba de meio milhão de euros para reforçar as medidas que o Governo anunciou. O objectivo, disse o presidente do município, Vítor Aleixo, é fazer da Serra do Caldeirão um “exemplo” da política de gestão da floresta, envolvendo a associação de produtores florestais da serra do Caldeirão e as associações de caçadores.

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