Portugueses vão reconhecer as assinaturas químicas de exoplanetas
Missão ARIEL, da Agência Espacial Europeia, será lançada em 2028 e vai estudar a assinatura química da atmosfera de exoplanetas já descobertos. Assim será possível identificar os possíveis infernos e paraísos que existem fora do nosso sistema solar
Serão uma espécie de notários espaciais ao serviço de planetas descobertos fora do nosso sistema solar, que orbitam outras estrelas, propondo reconhecer e autenticar as “assinaturas químicas” das suas atmosferas. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) confirmou esta quinta-feira a participação portuguesa na missão ARIEL (Atmospheric Remote-sensing Infrared Exoplanet Large-survey), da Agência Espacial Europeia (ESA), que “fará o primeiro estudo em larga escala da natureza e da química da atmosfera de exoplanetas”. A missão será lançada em 2028.
“Até agora a tónica tem sido na detecção de exoplanetas, na determinação das suas massas e tamanhos, mas pouco ainda foi possível saber sobre as suas atmosferas. Este é o grande salto para de facto se chegar a um conhecimento cada vez mais completo sobre esses exoplanetas”, explica o líder da equipa portuguesa na missão da ESA Pedro Machado, investigador do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no comunicado enviado.
No site da ESA, adianta-se que a missão ARIEL vai tentar responder a uma das principais questões da sua “visão cósmica”: Quais são as condições para a formação de um planeta e para o aparecimento da vida? “Isto não é um saltinho, a missão ARIEL será um salto colossal”, avisa Pedro Machado ao PÚBLICO.
O projecto será centrado numa minuciosa análise e caracterização da atmosfera de exoplanetas e, sobretudo, naqueles planetas fora do nosso sistema solar que foram descobertos nas chamadas “zonas habitáveis”, ou seja, onde existe a possibilidade de encontrarmos água na fase líquida à superfície. Entre as muitas frentes desta aventura à procura de longínquos sinais de vida, os cientistas também vão explorar a relação dos exoplanetas-alvo com a sua estrela-mãe, o seu sol, estudando, por exemplo, a influência da sua radiação e actividade.
“A nova grande aventura está a começar. Vamos ter agora um grande salto nas nossas capacidades de observação com o lançamento (apesar do atraso) do telescópio espacial James Webb [um projecto da agência norte-americana NASA que quer colocar no espaço um observatório para captar a radiação infravermelha] e de duas missões da ESA [Platão e Cheops]”, defende o astrofísico do IA.
Procurar infernos e paraísos
Segundo explica, estamos actualmente a atravessar uma mudança de paradigma que passa da detecção de exoplanetas, alguns parecidos com Terra, para podermos começar a caracterizar as suas atmosferas. “Repare, um exoplaneta do tamanho da Terra pode ser um inferno do tipo Vénus ou um paraíso do tipo da Terra. Por enquanto, são vistos quase da mesma maneira. O grande salto que é colossal é que agora vamos poder ver a diferença a partir da assinatura química, espectral, das suas atmosferas”, especifica Pedro Machado.
Actualmente, a lista de descobertas soma cerca de 3800 planetas a orbitar outras estrelas. Quais serão os alvos de ARIEL e como serão seleccionados? A verdade é que ainda não se sabe. Durante os próximos anos, espera-se que os poderosos instrumentos na Terra e no espaço que vigiam e analisam o nosso Universo funcionem como um filtro capaz de fazer uma triagem e fornecer à missão ARIEL uma lista dos melhores candidatos ao processo de “reconhecimento e autenticação” das assinaturas das suas atmosferas. “Serão seguramente algumas centenas mas, para já, posso adiantar que temos já 50 exoplanetas que consideramos prioritários por indícios que temos de observações já feitas”, refere Pedro Machado. E anuncia: “O primeiro ponto é o de detectar se os planetas têm uma atmosfera ou não, e o segundo passa por caracterizar essa atmosfera em termos da sua composição.”
Assim, tal como a vida no planeta Terra se explica por um desequilíbrio provocado numa atmosfera primordialmente feita de azoto e dióxido de carbono, os cientistas vão procurar identificar longe do nosso sistema solar a presença de moléculas como o oxigénio, dióxido e monóxido de carbono, ozono e azoto, entre outras. Vão procurar os elementos que podem significar sinais de vida fora do nosso sistema solar. “Se encontrarmos alguns elementos importantes, isso funcionará como um alarme”, diz Pedro Machado.
“As observações desses mundos vão possibilitar uma nova visão sobre os estágios iniciais da formação planetária e atmosférica, a sua evolução e, por sua vez, contribuir para colocar num contexto o nosso próprio sistema solar”, lê-se na nota que cita a Günther Hasinger, director de ciência da ESA, a afirmar que a missão ARIEL “é um próximo passo lógico na ciência dos exoplanetas, permitindo-nos progredir nas principais questões científicas relativas à sua formação e evolução, além de nos ajudar a entender o lugar da Terra no Universo”.
Afinar tudo até 2028
A equipa portuguesa, para já, é composta por 12 cientistas. Mas, o plano é fazer crescer esta família espacial durante os próximos anos acolhendo não só investigadores como também empresas nacionais da indústria aeroespacial.
“Sendo a primeira missão espacial dedicada ao estudo das atmosferas de exoplanetas, a ARIEL permitirá contextualizar os planetas gasosos do nosso sistema solar,” comenta Olivier Demangeon, investigador do IA e na Universidade do Porto, no comunicado. Já Gabriella Gilli, especialista no estudo da atmosfera de Vénus do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, destaca o seu trabalho na selecção de exoplanetas de tipo terrestre quentes que serão alvos de estudo favoráveis para a missão ARIEL.
“Esta excelente complementaridade que existe na equipa vai-nos permitir ter um papel importante nesta área em forte crescimento, seguindo a estratégia que inclui já uma participação de alto nível do IA em projectos do Observatório Europeu do Sul (ESO), como o espectrógrafo ESPRESSO e o NIRPS, e outras missões espaciais da ESA [como o Cheops e Platão]”, acrescenta o astrofísico especialista em exoplanetas Nuno Santos (IA e Universidade do Porto). “Sou o facilitador mas o Nuno Santos é o cérebro disto tudo”, faz questão de sublinhar Pedro Machado, líder da equipa portuguesa.
Além de usar os dados que já foram recolhidos nos últimos anos e os que ainda serão na próxima década (recorde-se que a ARIEL será lançada no espaço em 2018), a missão terá os seus próprios meios, onde se inclui um telescópio espacial especialmente concebido para detectar as moléculas presentes na atmosfera dos exoplanetas-alvo. O plano é que a ARIEL fique a 1,5 milhões de quilómetros além da órbita da Terra, atenta aos exoplanetas durante, pelo menos, quatro anos. E terá um orçamento de 400 milhões de euros.
E o que se vai fazer durante os dez anos que faltam para o lançamento da missão? “Há muito trabalho a fazer e duas componente distintas, embora interligadas. A questão da engenharia, portanto, a construção dos instrumentos, os testes do equipamento, das comunicações com a sonda, a recepção dos dados, entre outros. Depois, há a questão científica em que teremos os grupos de trabalho em várias áreas a desenvolver modelos e a encontrar as melhores formas de detectar as moléculas, por exemplo.” Será, assim, tempo para afinar os instrumentos e encontrar as melhores ferramentas, enquanto se constrói também a equipa que resulta de um “casamento” (ou consórcio se optarmos pelo termo técnico) que reúne 60 institutos de 15 países europeus.
O processo de candidatura para concretizar este projecto foi, admite Pedro Machado, uma longa peregrinação. Esta semana foi o momento de festejar a selecção da missão ARIEL pela ESA e fazer saltar as rolhas das garrafas de champanhe. Mas este não é ainda o final feliz. “Agora é que vai tudo começar a sério.”