Parlamentos britânico e europeu querem ouvir Zuckerberg
Reino Unido abriu investigação à Cambridge Analytica e pede mandado de busca. EUA abrem inquérito ao papel do Facebook. Valor das acções da rede social caíram 7% na segunda-feira.
O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi chamado a prestar esclarecimentos perante uma comissão do Parlamento do Reino Unido sobre o uso de dados pessoais de utilizadores da rede social pela empresa de consultadoria britânica Cambridge Analytica.
A empresa foi acusada de usar dados de 50 milhões de membros do Facebook para influenciar o referendo sobre o "Brexit" e as eleições norte-americanas de 2016, ganhas por Donald Trump.
Damian Collins, presidente da comissão de Assuntos Digitais, Cultura e Meios de Comunicação da Câmara dos Comuns, que tem em curso uma investigação sobre notícias falsas, já tinha dito que queria ouvir Zuckerberg. Agora formalizou o pedido.
"Chegou o momento de ouvir um alto executivo do Facebook, alguém com autoridade suficiente para fornecer dados correctos sobre esta catastrófica falha", escreveu na carta que enviou à rede social e que é citada pela BBC.
No Parlamento Europeu, o presidente Antonio Tajani também convidou Zuckerberga a prestar esclarecimentos. "Convidámos Mark Zuckerberg para vir ao Parlamento Europeu porque o Facebook tem que dar explicações aos representantes de 500 milhões de europeus cujos dados pessoais não podem ser usados para manipular a democracia", escreveu Tajani noutra rede social, o Twitter.
A gravidade das acusações e as investigações levaram a empresa a marcar para a tarde desta terça-feira uma reunião aberta com os funcionários na sede nos Estados Unidos, para que estes peçam os esclarecimentos que desejarem, segundo um memorando interno que a The Verge viu. O encontro está a ser conduzido por Paul Grewal, o vice-presidente do Facebook e a sessão está a ser transmitida para escritórios noutras partes do mundo para outros funcionários participarem.
Na manhã desta terça-feira, o Comissariado para a Informação do Reino Unido disse que iria pedir um mandado de buscas para os escritórios londrinos da consultora Cambridge Analytica.
O Comissariado vai investigar também qual foi o papel do Facebook neste caso. Esta descoberta teve um impacto negativo no valor das acções do Facebook, que fecharam a cair 7%, a maior queda em quatro anos. À boleia do Facebook, várias outras empresas tecnológicas fecharam o dia em queda. Em Wall Street, o índice tecnológico Nasdaq desceu 1,8% na segunda-feira.
Já nos Estados Unidos, esta terça-feira, a Comissão Federal para o Comércio anunciou que também vai investigar o Facebook para averiguar se houve uso ilegal de dados pessoais, segundo avançou a Bloomberg. Ponto central da investigação será verificar se o Facebook permitiu que a Cambridge Analytica tivesse acesso aos dados, em violação da sua própria política de privacidade.
A Comissão para a Protecção de Dados da Irlanda (CPD), que regulamenta o Facebook na Europa, vai "seguir os passos" dos EUA para garantir que o controlo de utilização de dados por parte das empresas que criam aplicações, foi também anunciado nesta terça-feira.
A comissária para a informação, Elizabeth Denham, afirmou na segunda-feira, numa entrevista à rádio BBC, que está a investigar formalmente a empresa Cambridge Analytica e as suas ligações ao Facebook. “Estamos a ver se o Facebook assegurou e salvaguardou as informações pessoais constantes na plataforma, se já sabiam sobre esta falha e agiram de forma apropriada, e se as pessoas foram ou não informadas”, disse Denham.
No âmbito da investigação, Denham exigiu o acesso às bases de dados e servidores da empresa, relata a BBC. Esta acusação formal vem no âmbito de uma investigação mais extensa, e que está a ser desenvolvida há já vários meses, sobre o uso de dados das redes sociais para fins políticos. O Comissariado de Informação britânico vai agora tentar determinar se os dados foram conseguidos de “forma não autorizada”, ou seja, se os utilizadores consentiram ou não a sua utilização.
Denham admite ainda ter pedido ao Facebook que não investigasse os escritórios da consultora no Reino Unido, por recear que comprometessem a integridade da investigação conduzida pelo Governo britânico. “O nosso conselho para o Facebook foi que saíssem de cena – e eles concordaram”, disse.
O Reino Unido adoptou agora uma posição semelhante à União Europeia, que também tornou pública a sua intenção de investigar os relatos de mau uso do Facebook para fins políticos. O presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, descreve as acusações de uso abusivo de dados como uma “violação inaceitável dos direitos dos cidadãos”. Nos EUA, o director da FTC, a autoridade de concorrência norte-americana, disse ao jornal Washington Post que a empresa também pode vir a enfrentar milhares de dólares em multas no país.
A Cambridge Analytica nega ter usado dados retirados do Facebook e diz ter apagado todos os dados obtidos por terceiros em 2014, depois de perceber que não tinham sido cumpridas as regras de protecção de dados.
Choque em Wall Street
Como resposta às notícias que acusavam o Facebook de partilhar dados pessoais dos seus utilizadores sem o seu consentimento, as acções da empresa chegaram a cair 7% na segunda-feira, de acordo com a Reuters. Os investidores estão com medo que uma legislação mais apertada sobre os dados dos utilizadores da rede social tenha efeitos negativos sobre o negócio da publicidade no Facebook. O receio provocou uma queda no valor de mercado da empresa de Mark Zuckerberg na ordem dos 40 mil milhões de dólares.
Não foi só Mark Zuckerberg que sentiu o receio dos investidores. A queda do Facebook teve consequências noutras empresas como a Alphabet, que detém a Google e cujo valor das acções caiu mais de 3%, a Amazon e a Microsoft, com acções a valer -1,7% cada uma e a Apple, a registar uma queda nas acções na ordem dos 1,5%.
Wall Street fechou segunda-feira em terreno negativo com o índice S&P a cair mais de 1,4% (para 2.708,70 pontos) e o Dow Jones a cair 1,35% (para 24.610,91 pontos). Sem surpresa, o índice tecnológico Nasdaq foi o que mais cedeu: a queda foi de 1,84%, para 7.344,24 pontos.
O Facebook não é o único culpado deste tombo – as medidas proteccionistas da Administração Trump também tiveram a sua quota-parte de culpa –, mas esta queda generalizada mostra que as alterações nas acções das empresas tecnológicas podem ter um efeito negativo nos mercados. Lembra o The Straits Times que em 2009 o sector tecnológico compunha apenas 17,5% do índice S&P 500 – hoje, representa 25%.