Rendimentos: “Não aceitamos ficar no pacote dos políticos”
"Eu só confio na segurança do Citius quando for público o relatório, feito no primeiro Governo de Sócrates, pago pelo Estado", sublinha o novo presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
Até onde está disposto a ir na defesa dos aumentos salariais da classe? Até à greve?
É prematuro, ninguém avança para uma negociação desta natureza com esse tipo de discurso. Entre um juiz com cinco anos de profissão e outro que é conselheiro do Supremo a diferença de vencimento são 300 euros. Se o poder político nos disser que isso está certo, vamos ter problemas. Se achar que não está certo, então vamos definir um plano negocial para resolvermos a questão. Somos razoáveis, mas empurrar com a barriga não pode ser. Daqui a 15 dias, quando tomarmos posse, iremos apresentar cumprimentos ao Governo e expressar as nossas preocupações. Se o processo legislativo do estatuto dos juízes ainda estiver com o Governo esperamos discuti-lo antes de ir a Conselho de Ministros. Até nos parece pouco razoável que agora, que vai haver uma nova direcção na associação sindical, o processo passasse para o Parlamento [sem o Governo ouvir antes o sindicato].
O que pensa de tornar públicas as declarações de rendimentos dos juízes?
Não aceitamos ficar no mesmo pacote dos políticos. Aceitamos revelar os nossos rendimentos e património, mas não que fique publicamente acessível como as declarações deles. Porque eles não têm embates directos com cidadãos concretos. Ora eu lido todos os dias com cidadãos descontentes com as minhas decisões. Se a morada da minha casa e a matrícula do meu carro forem revelados fico muito condicionado na minha decisão. Esta informação só deve poder ser acessível em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas, como um processo-crime ou uma investigação disciplinar. Os juízes não foram ouvidos sobre esta matéria. Além disso, a profissão de juiz é para a vida toda — não é a mesma coisa que ser ministro quatro anos e depois ir trabalhar para a empresa que se tutelou.
Concorda que os juízes não possam ser sujeitos a prisão preventiva senão quando são apanhados em flagrante delito?
Aceito discutir isso no plano geral, não à sombra de um caso concreto — o caso Rui Rangel.
Há juízes que não confiam na segurança do sistema Citius...
Eu só confio na segurança do Citius quando for público o relatório sobre a segurança, feito no primeiro Governo de Sócrates, por uma empresa, pago pelo Estado. Como nunca foi conhecido, a ideia que fica é que talvez não seja seguro. Tem a ver com a segurança contra intrusão e com a possibilidade de manipular os despachos. Outra coisa é a possibilidade de utilizar o sistema, e agora é disso que se está a falar [no caso E-Toupeira], para aceder a informação. Também é um problema e não me parece que seja só o que diz a ministra, de que se alguém descobrir a password de um utilizador pode usar abusivamente. O problema de segurança não é esse. O problema é saber se alguém consegue, manipulando as ferramentas informáticas, aceder, mesmo sem password, à informação.
O segredo de justiça faz sentido?
O que não faz sentido é ser violado. Mas faz sentido, talvez não com o âmbito que tem agora. Para proteger a investigação, é evidente que tem de existir, não pode haver uma investigação criminal aberta — sob pena de não haver investigação. Para proteger o bom nome das pessoas que estão sujeitas a investigação pode fazer sentido, mas a partir do momento em que o bom nome está posto em causa talvez pudesse haver maneiras de atenuar...
Atenuar como?
Se o arguido precisar de revelar factos ou se a justiça também precisar de revelar algumas coisas que estão a ser investigadas, por dever de informação, não faz sentido estarmos todos agarrados ao segredo de justiça e estarmos a ler os jornais a dizer o que está nos processos, porque os jornalistas que são assistentes neles. Nesses casos talvez seja possível encontrar maneira de abrir mais os processos.
A lentidão é inerente à justiça?
Num certo aspecto, a lentidão é um mito. O último relatório da Comissão Europeia coloca a justiça cível portuguesa em primeiro lugar de entre os países do Conselho da Europa. É a mais eficiente. Depois, há áreas onde a justiça é lenta: as acções executivas e os tribunais administrativos. Mas a Constituição não diz que os tribunais têm de decidir depressa, e sim em tempo razoável. Se me colocarem como alternativa uma decisão em dois meses, mas pouco ponderada, ou outra em seis, mas correcta, prefiro a segunda. Agora seis meses não podem ser seis anos.