Homenagem a Marielle Franco mobilizou mais de mil pessoas em nove cidades portuguesas

“A defesa dos direitos humanos não pode corresponder a uma sentença de morte”, afirma a secretária de Estado para a Igualdade. Organizadores apontam para mais de mil pessoas por todo país.

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Cerca de 500 pessoas concentraram-se na Praça Luís de Camões, em Lisboa, na tarde desta segunda-feira Miguel Manso
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Cerca de 500 pessoas concentraram-se na Praça Luís de Camões, em Lisboa, na tarde desta segunda-feira Miguel Manso
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Cerca de 500 pessoas concentraram-se na Praça Luís de Camões, em Lisboa, na tarde desta segunda-feira Miguel Manso

“Marielle saiu da periferia e ousou ter voz, ousou denunciar a brutalidade, a violência e os assassinatos cometidos pelos militares. É por isso que ela foi executada com quatro tiros na cabeça, no centro do Rio de Janeiro, uma das maiores cidades do Brasil”. A activista Maria Eduarda Otoni termina quase afónica a sua intervenção ao megafone, na concentração que reuniu nesta segunda-feira cerca de 500 pessoas na Praça Luís de Camões, em Lisboa, para homenagear a vereadora brasileira Marielle Franco, assassinada na semana passada. “Ninguém aceitava que uma mulher negra tinha sido eleita e tinha voz activa. E é por isso que hoje todas estamos aqui e nós não vamos esquecer. Marielle, presente!”

“Luto e luta”, foram estas as palavras de ordem que se ouviram em nove cidades de norte a sul do país onde a vereadora “carioca” foi lembrada, reunindo mais de mil pessoas no total. Foram pequenas concentrações, como as de Aveiro, Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, mas também centenas de manifestantes que se reuniram em Coimbra (cerca de 200, segundo a organização), Lisboa, Porto (300, segundo a Lusa) e Covilhã (mais de 150, de acordo com fonte no local), convocadas por associações e colectivos brasileiros e feministas mas também, em alguns casos, cidadãs a título individual. 

Em Lisboa, onde a concentração foi organizada por colectivos brasileiros, feministas e anti-racistas, também a secretária de Estado para a Igualdade, Rosa Monteiro, se juntou à homenagem a Marielle Franco, “uma mulher política, negra, lésbica, defensora dos mais vulneráveis”. “Para dizer que estamos presentes e vamos continuar presentes nesta luta pela defesa intransigente dos direitos humanos”, afirma, apontando que “a defesa dos direitos humanos não pode corresponder a uma sentença de morte”.

E o que houve de especial nesta morte, do outro lado do oceano, para trazer às ruas pessoas de tantas cidades portuguesas? Para Maria Eduarda Otoni, que integra a Assembleia Feminista de Lisboa – um dos colectivos que convocou a vigília –, a grande comunidade brasileira em Portugal terá contribuído para uma adesão alargada. Contudo, aponta que a morte de uma defensora dos direitos humanos “deveria sensibilizar todas as pessoas no mundo”. “Eu acredito que a actual estrutura do Brasil está tão caótica que talvez a morte de Marielle, que era o símbolo de todas as coisas que são oprimidas em todo o mundo, tenha sido a gota de água”, diz a brasileira, que vive em Portugal há mais de dois anos.

Para Raquel Rodrigues, a morte da vereadora brasileira soou a “um aviso de que determinadas pessoas, quando chegam a um determinado patamar, começam a tornar-se um incómodo”. A presidente da Femafro – Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal, sublinha que a “execução” de Marielle Franco tem também um recorte de género. “A morte da Marielle significou muito para muitas mulheres, mas significa muito mais para as mulheres negras. Estarmos aqui todas é dizermos que, enquanto mulheres, não admitimos estar a ser violentadas no nosso espaço.”

Ana Caroline Santos, do Colectivo Andorinha – um dos movimentos que convocaram o protesto –, afirmou à agência Lusa que a importância desta concentração é que haja “uma solidariedade internacional perante o que acontece no Brasil, [porque] o assassínio de duas pessoas, sendo uma delas uma mulher negra, política, defensora dos direitos humanos, é algo que mostra para o mundo o que, de facto, está acontecendo no Brasil”.

“É a nossa obrigação ir lá fora e dizer que ela foi importante”

Luciana Carmo, presidente da Associação de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros (APEB) em Coimbra, não tem dúvidas: “O que aconteceu foi um crime político.” “Essa execução de uma mulher negra, lutadora, foi quase como se quisessem matar essa ideia, tirar a voz dessa minoria, que eu até prefiro chamar de maioria minoritária”, afirma ao PÚBLICO a estudante de Filosofia.

Na cidade, a organização partiu da APEB, do grupo Esquerda Brasileira em Coimbra e da Assembleia Feminista de Coimbra. E também aqui o peso da comunidade brasileira terá levado a que as vozes falassem mais alto – a organização estima que tenham estado 200 pessoas no protesto desta tarde.

“Como mulher, como descendente de negros, também periférica, consigo me identificar”, justifica Luciana Carmo, que recorda que muitos dos estudantes brasileiros em Coimbra foram beneficiários de programas sociais, nomeadamente as quotas que permitem que negros e alunos de escolas públicas tenham mais oportunidades de acesso ao Ensino Superior.

E se em Coimbra o protesto teve como protagonistas os estudantes brasileiros de forma organizada, em Viana do Castelo a concentração surgiu a partir da “motivação pessoal” de duas amigas, Sónia Rodrigues e Rita Silva, que trabalham em áreas relacionadas com questões sociais. Depois de verem protestos convocados em cidades como Porto e Lisboa, entraram em contacto com a plataforma Parar o Machismo, Construir a Igualdade para saberem como se juntar.

“Aquilo que se passa no Brasil é quase incompreensível para nós”, afirma Sónia Rodrigues, apontando “solidariedade e preocupação” como principais motivações para a iniciativa. A psicóloga conta ao PÚBLICO que o protesto reuniu perto de 40 pessoas em Viana do Castelo, onde considera difícil mobilizar as pessoas, e enquadra a reacção em tantas cidades portuguesas num “movimento em crescendo de sensibilização e sensibilidade para com as questões de igualdade de género”.

“Faz sentido apoiar alguém que, apesar de todas estas dificuldades – de ser negra, de ser bi, de ser favelada –, mesmo assim conseguiu fazer o que fez. E se ela o fez, e se pagou com a vida por isso, agora é a nossa obrigação pelo menos ir lá fora dizer que ela foi importante, e que vamos continuar a lembrarmo-nos dela e daquilo que ela fez.”

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