Quando a análise de dados se uniu à extrema-direita

A Cambridge Analytica esteve ao serviço da campanha de Donald Trump para cumprir a visão do ideólogo Steve Bannon e de uma família de milionários.

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Steve Bannon trouxe a Cambridge Analytica para a campanha de Trump Reuters/JONATHAN ERNST

A influência que a Cambridge Analytica terá tido no comportamento eleitoral de milhões de norte-americanos é o produto das ambições alimentadas durante anos por Robert Mercer, um milionário que construiu uma fortuna no mundo dos fundos de investimento altamente especulativos, conhecidos como “hedge funds”. Quem o conhece descreve-o como um génio da Matemática, embora com reduzidas competências sociais. “Fico contente por levar a minha vida sem dizer nada a ninguém”, disse em 2010 em resposta a um artigo do Wall Street Journal.

A genialidade que transformou este ex-programador da IBM num milionário convivia com uma visão do mundo que estava nas margens do sistema político norte-americano. Mercer é um libertário, que defende um papel do Estado reduzido ao mínimo e a total desregulação da economia, e é também defensor da supremacia branca. O corolário do seu pensamento redundou num profundo ódio aos Clinton e a tudo o que representam. Várias pessoas que o conhecem contaram à New Yorker como Mercer lhes dizia que o casal Clinton estava envolvido numa alegada rede de tráfico de droga operada pela CIA num aeroporto do Arkansas.

Por volta de 2012, Mercer começou a utilizar os seus milhões para tornar a sua visão real, financiando várias organizações de activistas de extrema-direita, como a Citizens United – que entre outras actividades produz documentários com títulos como ACLU: Em Guerra contra a América, referindo-se à organização de defesa dos direitos civis. Foi por essa altura que o milionário encontrou um operacional à altura da sua ambição chamado Steve Bannon, que lhe foi apresentado por Andrew Breitbart, o fundador do influente site que congrega algumas das visões mais extremistas da política norte-americana e que se tornou uma plataforma de apoio de Donald Trump.

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Tal como Mercer, Bannon também vinha do mundo da alta finança, que conheceu nos anos em que trabalhou no banco Goldman Sachs. Depois da morte súbita de Breitbart, em 2012, foi Bannon que assumiu a liderança do site, expandindo-o com o apoio financeiro da família Mercer – uma das filhas de Robert, Rebekah, é uma ávida leitora dos seus artigos e até liga para a redacção quando encontra gralhas ou erros ortográficos.

Bannon travou entretanto conhecimento com Donald Trump, numa altura em que o magnata planeava candidatar-se contra Barack Obama, que procurava ser reeleito em 2012. Trump não avançou, mas estava quase concluído um arranjo que acabaria por ficar para a História.

A fórmula de Cambridge

Habituado a fazer um uso lucrativo de grandes quantidades de informação, Mercer foi um forte apoiante dos esforços para aplicar esse método à política. Em 2012, doou cinco milhões de dólares à Strategic Communication Laboratories, uma obscura empresa britânica que estava a desenvolver uma área conhecida como “psicometria”, o estudo quantitativo em larga escala das características humanas. A Mercer interessava sobretudo o projecto liderado por Alexander Nix que tinha como objectivo aplicar o modelo de análise de dados a cenários eleitorais.

A primeira experiência acabou por ser mal sucedida. Mercer e Nix puseram a metodologia da SCL ao serviço da campanha do republicano Ken Cuccinelli candidato a governador da Virgínia. Cuccinelli saiu derrotado, mas a estratégia não só foi mantida como aprofundada – nascia a Cambridge Analytica.

“Ganhe vantagens sobre os seus adversários ao acrescentar a nossa marca de análise de dados e psicologia comportamental ao seu arsenal de campanha”, lê-se no site da empresa acusada de ter utilizado indevidamente os dados de 50 milhões de utilizadores do Facebook durante a campanha presidencial norte-americana. Mercer investiu 15 milhões de dólares na Cambridge Analytica, que inicialmente esteve ao serviço da campanha de Ted Cruz, o favorito do Tea Party.

A derrota do senador nas primárias confirmava que Trump era o candidato certo em quem apostar e Mercer acabou por corrigir o cálculo. Bannon, que já acompanhava Trump, aconselhou-o a contratar a Cambridge Analytica, apesar das reservas do então chefe de campanha, Paul Manafort. O ponto de viragem aconteceu em Agosto – a três meses das eleições –, quando Manafort foi demitido e Bannon assumiu um papel crucial na campanha, tal como os métodos da Cambridge Analytica.

Depois de ter sido demitido ao fim de sete meses como principal estratego da Casa Branca, Bannon viu-se sem o apoio dos Mercer, que se mantêm próximos de Trump. A sua atenção está agora dedicada à Europa, para onde pretende exportar a sua revolução populista.

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