Feliciano Barreiras Duarte apresentou a demissão a Rui Rio e este aceitou
O secretário-geral demissionário diz não ser ele "o alvo" dos ataques mas sim a direcção de Rui Rio que, conta, lhe manifestou "apoio e solidariedade". Foi um pedido "tão irrevogável [de demissão] que já está concretizada", acrescenta Feliciano que sai de "consciência tranquila" e sem "arrependimentos".
Foi um pedido "tão irrevogável [de demissão] que já está concretizada" - foi assim que Feliciano Barreiras Duarte contou que conversou com Rui Rio, lhe comunicou a sua "vontade de deixar o cargo de secretário-geral do PSD tendo em conta os ataques" de que tem sido alvo. O presidente do partido, diz o deputado, manifestou-lhe o seu "apoio e solidariedade" e compreendeu e aceitou todos os seus "argumentos".
Em comunicado enviado às redacções por volta das 19h deste domingo, Feliciano Barreiras Duarte acabou com o suspense que se prolongava há dias, anunciando que o pedido de demissão partiu de si, que sai "de consciência tranquila" e que "não há lugar a arrependimentos". Rui Rio perde o seu secretário-geral precisamente no dia em que passa um mês do encerramento do congresso do PSD.
Mas deixou recados, desde a comunicação social a "correligionários", pelas acusações "absurdas", "torpes e estultas" sobre o currículo e as ajudas de custo do Parlamento. E como é um "observador atento", tem "perfeita consciência" de não ser ele "o alvo, mas sim o líder do partido e a sua direcção".
"Por isso, ficar seria avolumar o problema e não contribuir nada para a solução", admite. "Estou no combate político desde os meus tempos de estudante, sei que o combate político é duro, mas não vale tudo: o limite é quando atinge gravemente a minha família e a expõe ao intolerável", afirma Feliciano Barreiras Duarte. "Neste momento, e face à violência inusitada dos ataques e aos efeitos para mim e para a minha família, atingimos o limite", realça o dirigente social-democrata no comunicado, para logo a seguir dizer que apresentou o seu "pedido irrevogável de demissão - tão irrevogável que já está concretizada - de secretário-geral do PSD".
"Espero que a minha demissão faça cessar os ataques à direcção do PSD e permita que o dr. Rui Rio, a quem agradeço a confiança e a amizade, bem como a sua equipa, consigam atingir os objectivos que justamente perseguem, pois isso é que é o melhor para o país e deve constituir a única preocupação de todos e de qualquer de nós."
Feliciano é assim a primeira baixa da equipa mais próxima de Rui Rio, apesar de também os vice-presidentes Elina Fraga e Salvador Malheiro estarem envolvidos em polémicas desde que os seus nomes foram anunciados no congresso e serem alvo de investigações em curso pelo Ministério Público - a primeira pela gestão da Ordem dos Advogados e o segundo por adjudicações de negócios da Câmara de Ovar.
"Saio de consciência tranquila"
A sua saída acontece uma semana e um dia depois de o semanário Sol ter noticiado que o antigo secretário de Estado se vira na obrigação de corrigir o currículo sobre a sua formação profissional na Universidade da Califórnia – que nunca chegou a frequentar – e um dia depois de o jornal digital Observador revelar que o deputado recebeu, durante nove anos, subsídios de deslocação do Bombarral para Lisboa quando morava na capital. Ao jornal, Feliciano apresentou simulações de contas que mostravam que o valor a que teria direito morando num sítio ou no outro era idêntico devido aos pagamentos das deslocações semanais para contacto com o eleitorado no distrito de Leiria, pelo qual foi eleito.
"Saio de consciência tranquila; nunca ganhei nada, nem com uma, nem com outra situação; não tirei qualquer proveito da Universidade de Berkeley - nem financeiro, nem de grau académico, nem profissional, nem político; não procurei qualquer benefício material ou outro, antes pelo contrário, com a questão da morada no Parlamento", garante o deputado em comunicado.
Feliciano dedica quase metade do comunicado a descrever e a justificar-se sobre os dois episódios. E no caso da Universidade da Califórnia até afasta comparações com os casos do curso de Miguel Relvas - de quem foi secretário de Estado nos primeiros dois anos do Governo de Pedro Passos Coelho - e do de José Sócrates
"Não há, como foi criminosamente sugerido, quaisquer paralelismos com situações de falsas licenciaturas, feitas por equivalências, ou licenciaturas feitas ao domingo. Terei sido imprudente manter tanto tempo essa referência [de ser visiting scholar em Berkeley], sem ter uma renovação formal do estatuto, mas a inscrição é, sempre foi, verdadeira, a universidade informou-se que estava inscrito."
O deputado afirma que vai "aguardar serenamente os resultados do inquérito que a Procuradoria-Geral da República anunciou ir abrir; quem não deve não teme". "E eu não devo nada a ninguém para além da minha consciência."
Foi uma semana em que o ambiente se foi tornando sucessivamente mais insuportável para o deputado e em que se foram levantando vozes entre os sociais-democratas próximos de Rio que deixavam a ideia de que o secretário-geral do partido se devia demitir. A que se somou o facto de a Procuradoria-Geral da República ter remetido para inquérito no Departamento de Investigação e Acção Penal o caso do currículo e de a Universidade Autónoma de Lisboa ter pedido ao seu Conselho Científico para analisar se o estatuto errado de visiting scholar (investigador visitante) em Berkeley foi essencial para o dispensar das aulas do doutoramento e se terá que que as frequentar. Foi nesta instituição que Feliciano também defendeu a tese de mestrado que já fazia referência à sua pretensa passagem pela universidade californiana.
A situação de Feliciano Barreiras Duarte estava a tornar-se insustentável no PSD. Tal como o PÚBLICO noticiou este domingo, nos últimos dias o secretário-geral não atendia o telefone praticamente a ninguém. Nem mesmo a Rui Rio ou a vice-presidentes do partido. Essa foi, aliás, uma das dificuldades com que a nova cúpula social-democrata se confrontou quando tentou fazer ver a Feliciano que este não tinha condições para se manter no cargo por mais tempo.
As declarações de Manuel Castro Almeida - um dos vice-presidentes mais próximos de Rui Rio e seu amigo pessoal há anos - neste sábado numa entrevista à Antena 1 são reveladoras desse mal-estar na equipa. Além de admitir que “as coisas são estão a correr bem”, o antigo autarca falava em “incidentes dispensáveis” e sobre Feliciano Barreiras Duarte dizia mesmo que a polémica “não pode durar muito” mas que “já está a durar algum tempo”. E dizia isto ainda antes de se conhecer o caso da morada do Bombarral e dos subsídios de deslocação do Parlamento. Questionado sobre o que faria se o caso do currículo errado se passasse consigo, Castro Almeida respondeu, categórico: “Isto não aconteceria comigo.”