Talvez agora Putin fale e tenhamos mais pistas sobre o envenenamento do espião
Kadri Liik, analista do European Council of Foreign Relations, diz que o maior mistério do caso Skripal é ter acontecido em plena campanha eleitoral russa.
A analista estónia Kadri Liik, do European Council of Foreign Relations, ex-jornalista e especialista em relações da Rússia com o Ocidente, falou com PÚBLICO sobre o estranho caso do uso de uma arma química russa, o agente de nervos Novichok, para envenenar um antigo agente duplo no Reino Unido.
Faz algum sentido que Putin tenha ordenado o ataque contra Sergei Skripal, um agente duplo, dias antes das eleições presidenciais? Esperaria ter ganhos eleitorais?
Não faz sentido, e todo este episódio deixou-me muito confusa. Aconteceu tarde de mais para poder ter influência na campanha. E o caso não foi usado pelos media russos como propaganda política. Também não estou a ver o que pode Vladimir Putin ganhar com isto… Sabe-se que ele odeia traidores, mas assassinar um espião que foi alvo de troca com o Ocidente seria algo sem precedentes, que rasga o livro de regras da espionagem. É isso que ele quer? Não tenho a certeza… Não vejo como é que isso o poderia favorecer. Esta escalada acaba por restringir a sua capacidade de manobra, ao entrar no seu último mandato presidencial, e Putin gosta de ter várias opções em cima da mesa para poder escolher até ao último minuto.
Acha possível que a ordem de usar uma arma química contra o ex-espião Skripal tenha sido dada sem a autorização, ou sem a bênção do Presidente Putin, que tenha sido algo decidido a um nível inferior da hierarquia?
Não é impossível. Há pessoas e instituições poderosas na Rússia que por vezes empreendem acções sérias sem terem aval explícito. E também é possível que esta acção tenha sido aprovada em termos gerais, mas não os seus pormenores específicos. Pode-se imaginar uma conversa do género: “Sr. Presidente, o Reino Unido irritou-nos muito ao fazer X, Y e Z. Estamos a delinear os parâmetros das medidas de punição.” Putin: “Ok. Continuem a trabalhar.” Consta que Putin usa muito frequentemente esta frase – “continuem a trabalhar”. É uma expressão que dá um certo apoio, mas não uma autorização específica ou pormenorizada…
Que apreciação faz da resposta oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo? Desdenharam das acusações britânicas, o que está a de acordo com o seu comportamento habitual, mas pareceram mais ou menos apanhados de surpresa…
Acho que tem razão. Foram apanhados de surpresa. A reacção inicial que tiveram – ridicularizar a acusação de que a Rússia envenenou o ex-espião – é o seu padrão de comportamento habitual. Quando a arma química usada foi identificada, ficaram mais sérios, porque perceberam que o caso representava um problema real para Moscovo. Quanto a saberem realmente o que aconteceu – não tenho a certeza de que tenham sido informados. Mas espero que agora, após as eleições presidenciais, possamos ter alguma reacção da parte de Vladimir Putin, que nos permita obter mais algumas pistas.
Muitas pessoas defenderam que para atingir Putin, o Governo britânico deveria expulsar os milionários russos que vivem em Londres. Concorda?
Não tenho a certeza de que essa medida afectaria de facto Vladimir Putin. É mais provável que aqueles que estão mesmo no círculo mais íntimo do Presidente russo vissem as suas perdas compensadas a partir dos cofres do Estado – tal como aconteceu quando a União Europeia introduziu sanções económicas à Rússia [por causa da anexação da Crimeia]. Quanto aos restantes, ver-se-iam privados de um refúgio para onde podem escapar de Putin, e isso só pode agradar ao Presidente russo.
No entanto, medidas “cirúrgicas” que tenham por alvo algumas pessoas ou entidades específicas podiam ter impacto. Mas na verdade este tipo de acção poderia ser usado de forma mais eficaz como uma ameaça, sem ser necessário concretizá-lo.
Dito isto, parece-me que o Reino Unido devia lidar com o assunto do dinheiro sujo que corre através de Londres, de uma vez por todas, seja ele de origem russa ou outra. E devia fazê-lo porque está em causa o Reino Unido, e não por causa da Rússia.