Mossack Fonseca fecha as portas dois anos depois dos Panama Papers
Empresa diz-se vítima de uma campanha e garante que apenas manterá um pequeno núcleo de funcionários por causa das investigações judiciais.
A maior fuga de informação relacionada com o branqueamento de capitais, a evasão fiscal e esquemas de planeamento tributário agressivo fez uma baixa de peso ao fim de quase dois anos desde as primeiras revelações dos Panama Papers: a sociedade fiduciária e de advogados Mossack Fonseca vai fechar as portas dentro de duas semanas.
A firma sediada no Panamá não resistiu ao escândalo de proporções globais que teve em si o epicentro a partir de Abril de 2016, quando centenas de órgãos de comunicação social associados ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) começaram a publicar investigações baseadas em 11,5 milhões de documentos confidenciais internos da Mossack Fonseca, através de uma fuga de 2,6 terabytes de informações obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, um dos membros do consórcio, a partir de uma fonte anónima.
Vista como um dos expoentes da opacidade com que grandes fortunas parqueiam rendimentos em paraísos fiscais e da forma como são montados esquemas de triangulação de fluxos financeiros que nalguns casos permitem omitir rendimentos e esconder os beneficiários efectivos de contas bancárias, a Mossack Fonseca é hoje uma empresa com menos de 50 trabalhadores (chegou a ter 40 escritórios em vários pontos do mundo, com 600 trabalhadores). Num comunicado revelado pelo consórcio de jornalistas, a firma panamiana continua a afirmar que não cometeu qualquer ilícito e diz-se vítima de uma campanha mediática que a levou a uma “deterioração reputacional” irreversível.
A Mossack Fonseca vira-se contra o CIJI, acusando o consórcio de jornalistas internacionais de ter “apresentado ao mundo, com base em informação roubada, uma realidade distorcida dos serviços que [a sociedade presta], tergiversando sobre a natureza da indústria e o seu papel nos mercados financeiros globais, divulgando uma série de informações cheias de especulações e dados fora de contexto que visaram cumprir uma agenda mediática orquestrada por alguns organismos internacionais”.
Os Panama Papers não foram a primeira fuga que permitiu conhecer casos concretos de entidades sediadas em paraísos fiscais – já antes acontecera com o escândalo Offshore Leaks (em 2013), o Luxleaks (em 2014) e o Swissleaks (em 2015) –, mas foram o caso com mais impacto e projecção. Permitiu revelar esquemas de planeamento fiscal e registos confidenciais ligados a 12 líderes políticos mundiais (actuais e antigos chefes de Estado) e quase 200 políticos e personalidades públicas em vários países. E criou um movimento de pressão sobre os líderes mundiais, para que dessem um passo em frente nas medidas que já então estavam a ser discutidas nos fóruns internacionais (no G20, na OCDE e na União Europeia) para os países aumentarem os mecanismos de cooperação fiscal de troca de informações financeiras, apertarem as regras sobre fluxos financeiros e aumentarem a transparência financeira. Isto, além de as autoridades fiscais de vários países terem iniciado investigações com base nas informações publicadas pelo consórcio (ou comprando dados directamente ao CIJI, como fizeram a Alemanha e a Dinamarca).
Na União Europeia, onde há países com regimes fiscais onde se faz planeamento fiscal agressivo, o Parlamento criou uma comissão de inquérito para abordar estes temas e a Comissão Europeia tem posto em cima da mesa um pacote de medidas concretas para apertar a malha a estes regimes. Temas que têm marcado a agenda da União Europeia de forma mais vincada de então para cá, com medidas que vão desde a criação de listas comuns de paraísos fiscais (para pressionar esses territórios a reduzirem e a abandonarem as práticas fiscais agressivas, e forçando-os a aderirem aos mecanismos de troca automática de informações bancárias com as autoridades fiscais de centenas de países), passando por medidas que aumentam as obrigações de transparência das sociedades de advogados, das empresas de contabilidade, dos consultores fiscais, e dos gestores de património.
Ao todo, os dados da Mossack Fonseca incluem registos de quase 215 mil sociedades offshores criadas entre 1970 e 2015, das quais perto de 56 mil estavam em actividade quando se deu a fuga de informação. A empresa tinha escritórios espalhados por vários outros paraísos fiscais e muitos dos clientes estavam concentrados em três deles. O relatório da comissão de inquérito do Parlamento Europeu criada depois deste caso concluía que cerca de 90% das entidades ainda em actividade estavam sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, no próprio Panamá ou nas Seicheles.
Dizendo-se vítima de um ciberataque, a sociedade alega que os Panama Papers, “mais do que atacar uma empresa prestigiada”, representaram um ataque “contra o sistema financeiro panamiano”. E acrescenta: “A deterioração reputacional, a campanha mediática, o cerco financeiro e as actuações irregulares de algumas autoridades panamianas causaram um dano irreparável”.
O fecho da empresa está agendado para o final deste mês de Março. Ficará um pequeno núcleo de funcionários que “continuará a atender os pedidos e consultas das autoridades, assim como outras entidades públicas e privadas”. A empresa não deu, porém, mais pormenores sobre o que fica em funcionamento.