O sonho do Partido Democrata no Texas é "o homem que mudou o nome para Beto"

Eleições primárias no estado dominado pelo Partido Republicano confirmam favoritismo de Ted Cruz na corrida ao Senado, mas os democratas acreditam que este ano podem espantar o país.

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Beto O'Rourke é candidato do Partido Democrata ao Senado pelo Texas DR

Imaginar que o senador do Partido Republicano Ted Cruz vai acordar no dia 7 de Novembro e descobrir que foi afastado do Senado pelo seu adversário do Partido Democrata no Texas é quase uma perda de tempo, mas alguns analistas independentes acreditam que este ano há dois motivos para se perder pelo menos dez minutos a discutir este assunto. Na campanha até às eleições primárias que se realizaram esta terça-feira, o candidato do Partido Democrata, Beto O'Rourke, angariou mais dinheiro do que Ted Cruz, e a taxa de popularidade do Presidente Trump caiu até aos 39% no estado que, para muitos, continua a ser sinónimo de conservadorismo.

Esta terça-feira arrancou o longo processo de eleições primárias nos Estados Unidos, e o primeiro estado a escolher os candidatos que vão representar o Partido Democrata e o Partido Republicano nas importantes eleições do dia 6 de Novembro foi o Texas.

Nesta primeira fase, os eleitores escolhem se querem votar nas eleições do Partido Democrata ou do Partido Republicano e elegem os candidatos que consideram ser os melhores para se enfrentarem em Novembro, em várias eleições: quem vão mandar para o Senado e para a Câmara dos Representantes em Washington; para o Congresso do Texas; para o governo do estado; e para muitos outros cargos a nível local.

"Onda azul"

Há anos que se fala numa possível "onda azul" do Partido Democrata, que iria varrer do mapa eleitoral os representantes do Partido Republicano – para isso contribuiria a crescente população de origem latina no Texas e a chegada de muitos americanos de estados mais liberais, como a Califórnia e Nova Iorque.

Mas essas mudanças na demografia têm demorado a reflectir-se na hora da escolha dos representantes – ainda que grande parte da população do Texas já seja de origem latina, 33% destes têm menos de 18 anos de idade e a taxa de participação dos eleitores brancos, principalmente a partir dos 40 anos de idade, é muito superior a qualquer outra faixa da população.

Ainda assim, o Partido Democrata olhou este ano para o Texas como nunca tinha olhado nos últimos 25 anos, o que significa que essas mudanças – e a esperança depositada numa onda anti-Trump – estão, pelo menos, a levar mais pessoas a envolver-se no processo político (para que um partido consiga apresentar candidatos fortes, é preciso que mais pessoas estejam dispostas a candidatar-se, o que tem sido difícil em muitas zonas do Texas controladas pelo Partido Republicano).

Mas este ano o Partido Democrata conseguiu fazer algo que já não fazia há 25 anos: no Texas, o segundo estado norte-americano com mais lugares na Câmara dos Representantes, os democratas têm candidatos em todos os 36 distritos, e ainda conseguiram apresentar um forte candidato para disputar o lugar no Senado ocupado pelo republicano Ted Cruz.

E é nesta corrida, para o Senado, que estão centradas as atenções, já que só um milagre roubaria a Greg Abbott o cargo de governador do Texas. Nas primárias de terça-feira, a escolha do representante do Partido Democrata para a eleição do governador foi adiada para Maio, numa corrida a dois entre Lupe Valdez, uma antiga xerife de Dallas County hispânica e lésbica; e Andrew White, um empresário filho de um antigo governador do Texas, moderado e possível escolha para os republicanos que não se revêem em Donald Trump. Por seu lado, Greg Abbott venceu as primárias do Partido Republicano com 90,4% dos votos.

Então, se as mudanças na demografia ainda não foram suficientes para abalar a força do Partido Republicano no Texas – e se o cargo de governador é ainda uma miragem para o Partido Democrata –, o que tem assim de tão interessante a corrida para o Senado, onde Ted Cruz, um nome conhecido não só em todo o Texas como também no país e em grande parte do mundo, deveria ser reeleito sem problemas?

O "factor Beto"

O interesse desta corrida é que a postura do Partido Republicano em relação ao candidato do Partido Democrata, Beto O'Rourke, indica que alguma coisa de diferente está a acontecer no Texas, por baixo daquela imagem tradicional de estado conservador – um sinal de que o Partido Republicano, e Ted Cruz, vão ter de se aplicar a fundo para não darem ao país, em Novembro, a imagem de um partido tão enfraquecido que até perde no Texas.

Pouco depois de ter garantido, sem surpresas, que será novamente candidato ao Senado pelo Partido Republicano em Novembro, na noite de terça-feira, Ted Cruz lançou um forte ataque ao seu adversário, Beto O'Rourke, que também tinha acabado de vencer as primárias do Partido Democrata.

Num anúncio radiofónico partilhado no Twitter, com o título "Se vais concorrer no Texas", a campanha de Ted Cruz encosta Beto O'Rourke à imagem de perigoso liberal da extrema-esquerda, ao som de uma apropriada canção country baseada no original If you're gonna play in Texas, da banda Alabama: "Se vais concorrer no Texas, não podes ser um homem liberal, porque o pensamento liberal não é o espírito de um homem Lone Star (…) O Robert liberal queria ambientar-se, por isso mudou o nome para Beto (…) O Beto quer abrir as fronteiras e quer tirar-nos as armas (…)"

Em resposta, Beto O'Rourke tentou distanciar-se de uma campanha assente em ataques pessoais, até porque poucos o conhecem foram da zona de El Paso, um dos poucos distritos eleitorais no Texas onde o Partido Democrata tem quase sempre a vitória garantida: "Vamos fazer isto da forma certa – ouvindo o povo do Texas, de todas as classes sociais, para fazermos o importante e ambicioso trabalho de que o país está à espera."

Ainda que Beto O'Rourke tenha, à partida, poucas hipóteses de derrotar Ted Cruz em Novembro, o Partido Democrata conta com o maior entusiamo demonstrado pelos seus eleitores nas primárias de terça-feira para causar uma grande surpresa – o número de eleitores superou largamente a afluência às urnas nas primárias de 2014 e até nas eleições de 2016, quando estava também em jogo a eleição do Presidente dos EUA.

E mesmo que não seja ainda possível ligar essa maior afluência a uma suposta onda anti-Trump em Novembro, alguns analistas independentes, como Jennifer Duffy, do Cook Political Report, insistem que ninguém deve tirar os olhos da corrida ao Senado no Texas: "Sim, estamos a falar do Texas, mas o ambiente é mau até mesmo no Texas. Trump vai ser o terceiro candidato no boletim de voto. E Cruz vai ter de se esforçar nesta campanha."

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