Já há regras para as árvores de Lisboa? Sim, mas…
Pode um regulamento ser bastante alterado por uma entidade e posto em prática sem voltar à casa que o cozinhou originalmente?
A saga em que se tornou a aprovação do Regulamento Municipal do Arvoredo de Lisboa ainda vai conhecer novos capítulos. O gabinete do vereador da Estrutura Verde está a aguardar que os serviços jurídicos da câmara decidam se o documento precisa de voltar a ser analisado em reunião da autarquia ou se a versão aprovada pela assembleia municipal não carece de mais discussão.
Na base desta dúvida está o facto de o regulamento aprovado pela assembleia em Julho de 2017 ter consideráveis diferenças face ao que tinha merecido votação unânime na câmara em Dezembro de 2015. Nesse período de dois anos o documento esteve a ser trabalhado nas comissões de Ambiente e Descentralização da assembleia, sobretudo porque alguns presidentes das juntas de freguesia não gostavam da primeira versão.
As alterações ao regulamento traduziram-se principalmente na atribuição de mais poderes às juntas para gerir o arvoredo. O documento inicial determinava, por exemplo, que o abate, transplante “ou outra operação que de algum modo fragilize as árvores” ficaria sujeito “a parecer vinculativo da câmara municipal, de forma a determinar os estudos a realizar, medidas cautelares e modo de execução dos trabalhos”. Na versão final desapareceu a palavra “vinculativo” e as juntas passaram a também poder emitir pareceres.
Estas mudanças não foram consensuais, o que fez com que a unanimidade da câmara não se repetisse na assembleia – PCP, Os Verdes e Bloco de Esquerda opuseram-se à nova versão. Também a Plataforma em Defesa das Árvores se manifestou contra as alterações, argumentando que elas abriam a porta à criação de “uma manta de retalhos” na cidade.
Como o PÚBLICO noticiou em Julho, poucos dias depois da aprovação na assembleia, tanto o vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes, como o presidente da câmara, Fernando Medina, mostravam-se então convictos de que o documento teria de voltar à apreciação dos vereadores.
“Neste momento os serviços da câmara estão a analisar aquilo que foi aprovado em reunião da assembleia municipal. E também os serviços jurídicos estão a analisar. Podemos considerar que estamos aqui num limbo, porque é entendimento de alguns que aquilo que foi aprovado na assembleia municipal tem que ainda voltar à câmara municipal, porque os regulamentos são aprovados na assembleia municipal sob proposta da câmara, e como houve alterações da proposta que foi aqui aprovada, provavelmente tem de voltar aqui”, admitiu Sá Fernandes. Fernando Medina foi mais assertivo: “Como é óbvio, o regulamento só está aprovado quando forem aprovadas as alterações na câmara.”
Logo no dia seguinte, porém, a presidente da assembleia dizia o contrário. “Este regulamento foi aprovado pela assembleia e vai ser publicado em boletim municipal. Se em próximo mandato a câmara entender que deve alterá-lo, fará uma proposta de alteração que virá aqui. Mas não vai mandar outra vez aquilo que já foi aprovado”, afirmou Helena Roseta.
A questão não está pacificada, pois o PÚBLICO confirmou que no gabinete de Sá Fernandes ainda se aguarda por um parecer jurídico que deite luz sobre o assunto.
Enquanto ele não aparece, câmara e juntas vão actuando de acordo com o regulamento aprovado na assembleia – que entretanto foi publicado em Diário da República – e não se livram das denúncias de abates ou podas injustificadas, ou mesmo de violações ao que diz o próprio regulamento.
Mais recentemente, com o embate de um autocarro turístico numa árvore da Avenida da Liberdade, a câmara decidiu chamar a si de novo a responsabilidade pelo arvoredo daquela artéria – mas Sá Fernandes e Duarte Cordeiro, vice-presidente, tinham anunciado há mais de um ano que essa transferência de competências já tinha acontecido. Apesar disso, Fernando Medina disse agora que “é inequívoco” que aquela era “uma competência da junta de freguesia”. E anunciou que também vai assumir a gestão das árvores em todo o eixo entre o Marquês de Pombal e Entrecampos. Até agora, essa gestão estava repartida por quatro juntas.