Tribunal alemão abre porta à proibição de carros a diesel nas cidades
Decisão foi motivada por dois processos relativos a Estugarda e Düsseldorf, as capitais dos estados de Baden-Württemberg e da Renânia do Norte-Vestefália, onde a poluição atmosférica ultrapassa os níveis admissíveis.
Uma decisão judicial no país que produz mais automóveis pode ter enormes consequências na Alemanha e para além dela: o Tribunal Administrativo alemão, com sede em Leipzig, decidiu esta terça-feira que as cidades, comunidades ou estados podem proibir a entrada de veículos a diesel em certas áreas.
A decisão foi provocada por dois processos relativos a Estugarda e Düsseldorf, as capitais dos estados de Baden-Württemberg e da Renânia do Norte-Vestefália, duas das cidades onde a poluição do ar ultrapassa os níveis admissíveis estabelecidos pela União Europeia.
A organização de defesa do ambiente DUH processou as duas cidades por não terem adoptado medidas suficientes para combater as emissões de gases perigosos, recebendo uma decisão favorável dos tribunais locais. Os dois estados-federados recorreram, rejeitando proibir a entrada de veículos a nível local nas suas capitais, argumentando que precisavam de uma base legal nacional. O Tribunal de Leipzig não lhes deu razão.
Esta decisão abre a porta a mais proibições: a DUH tem processos contra mais 20 cidades, e o potencial é ainda maior já que, no total, cerca de 70 localidades na Alemanha não cumprem os limites máximos estabelecidos pela União Europeia.
A chanceler, Angela Merkel, disse que o Governo irá reunir-se com os reponsáveis das cidades para "debater as medidas a tomar" e espera que as cidades consigam cumprir os limites em breve.
Avisos de Bruxelas
Bruxelas já avisou Berlim (e outros oito Estados-membros) que se não houver medidas rápidas para inverter a situação, a União Europeia recorrerá ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
A cidade de Hamburgo foi a primeira a reagir após a decisão do Tribunal de Leipzig, prometendo “provavelmente as primeiras restrições aos veículos a diesel do país”, disse o responsável pelo Ambiente do Senado da cidade-estado, Jens Kerstan, citado pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung.
A tecnologia diesel ganhou popularidade por se pensar que era menos poluente do que a de gasolina em termos de emissões de CO2 e a sua utilização foi promovida nos anos 1990. Mas não só isso não é verdade como outros gases que liberta, como o óxido de azoto (NOx), são responsáveis por problemas que levam à morte prematura de milhares de pessoas por ano em toda a União Europeia.
O Governo e a indústria automóvel alemã, muito baseada ainda na tecnologia do diesel, uma das suas maiores vantagens competitivas, opõe-se a estas proibições, que contribuiriam para a aceleração do declínio da tecnologia. A indústria é fundamental para a economia alemã, empregando cerca de 870 mil pessoas directamente e ainda outras 300 mil na indústria de componentes.
Política e indústria automóvel estão muito ligadas, por vezes formalmente – o estado-federado da Baixa Saxónia controla 20% das acções com direito de voto da Volkswagen, por exemplo. Muitos antigos políticos são contratados pela indústria para lobbying.
Helmut Dedy, da associação dos municípios, disse à revista Der Spiegel que a dificuldade de impor restrições à circulação dos veículos a diesel nas cidades “é resultado de uma deferência pronunciada [dos políticos] à indústria automóvel”.
PME com medo
Por outro lado, a economia alemã assenta numa série de pequenas e médias empresas (“Mittlestand”), que também estão assustadas com os potenciais efeitos de proibições: o presidente de uma associação de PME, Mario Ohoven, declarou mesmo que fica “posta em causa a existência de muitas pequenas e médias empresas” após este veredicto. Associações de trabalhadores técnicos e de serviços, como electricistas, canalizadores ou prestadores de cuidados a idosos, avisam para potenciais problemas, já que estes se deslocam muitas vezes em veículos a diesel para o interior de cidades.
Autoridades de cidades que esperam ter de aprovar este tipo de proibições já estão a preparar já dezenas de excepções, para incluir autocarros, ambulâncias, ou veículos da polícia.
O carro é visto como essencial para milhões de alemães, e quase como um espaço de liberdade (o que se vê, por exemplo, no facto de algumas auto-estradas não terem limite de velocidade), e restrições a esta liberdade são encaradas de modo especial.
No entanto, o juiz decidiu que a saúde pública se sobrepõe à liberdade individual dos proprietários e que estes não deverão ter direito a compensações no caso de não poderem levar os seus carros para o interior das cidades. Ainda assim, o Tribunal pede às cidades apliquem esta medida "de modo proporcional" aos níveis de poluição.
Contrariando a força da indústria automóvel, a ecologia é muito forte na Alemanha, o que leva muitos a serem a favor destas restrições. O escândalo das emissões envolvendo a Volkswagen em 2015, que manipulou software para fazer parecer que os automóveis tinham emissões mais baixas do que tinham realmente, também não ajudou. E o Governo alemão tomou uma abordagem suave para com os fabricantes de automóveis, aceitando que estes fizessem actualizações voluntárias de software de controlo de emissões. O resultado, diz a revista Der Spiegel, é que “a qualidade do ar nas cidades alemãs não melhorou”.
Foco nos fabricantes
Outros países e cidades consideram medidas semelhantes, incluindo a Noruega que quer proibir a venda de novos veículos a diesel e também a gasolina já em 2025 e as cidades de Paris, Madrid e Atenas a querer impedir a entrada de veículos a diesel no interior também no mesmo ano. Londres propôs também no ano passado que em 2040 deixem de ser vendidos carros com combustíveis fósseis
Mas a decisão alemã tem um peso especial por vir do principal produtor de automóveis da Europa. Mais simbólico é ainda uma das primeiras cidades ser Estugarda, sede da Daimler, fabricante de Mercedes.
Espera-se agora que os fabricantes acelerem alternativas, como instalar sistemas de controlo de emissões em automóveis antigos, uma sugestão também da DUH, que poderá custar até 1500 euros por automóvel. A associação acrescenta que este custo deveria ser assumido pelos fabricantes.
O Governo também diz que os fabricantes terão de fazer melhorias no controlo das emissões, e a ministra do Ambiente vai receber representantes da indústria esta quarta-feira. Os fabricantes, disse Barbara Hendricks à televisão pública ZDF, terão de dizer “quando e como estarão numa posição de serem capazes, em termos técnicos, de dar este passo”.