“O que sente um agente que é chamado 136 vezes a uma casa?”
Rute Agulhas, psicóloga e perita forense, coordenou o livro que cruza o olhar de magistrados, advogados, psicólogos e agentes da polícia nos processos de divórcio e regulação das responsabilidades parentais.
Nesta terça-feira é lançado o livro Divórcio e Parentalidade – Diferentes Olhares, do Direito à Psicologia. Rute Agulhas, uma das suas coordenadoras, diz que os tribunais estão a ouvir cada vez mais as crianças.
Que falhas resultaram mais evidentes desta compilação destes diferentes olhares?
Uma das falhas é a desarticulação. Muitas vezes, em processos de regulação estamos a tentar acertar os contactos e as entregas das crianças desconhecendo que existem, ao mesmo tempo, processos de suspeitas de violência doméstica que impedem que os pais possam estar juntos. E também há o problema da burocracia. Eu posso, enquanto perita, estar a fazer uma perícia a uma criança que está a ter visitas supervisionadas num ponto de encontro familiar e preciso de saber em tempo real como estão a correr as visitas em vez de ficar agarrada a um relatório que me diz como eram há seis meses atrás. E há a morosidade do sistema que leva a que muitos meninos sejam sugestionados e manipulados por um dos pais relativamente ao outro e, quanto mais tempo passa sem contactos injustiçados com um dos progenitores, mais a resistência da criança se solidifica.
Mas este livro destina-se também a pais e mães que muitas vezes não conseguem descentrar-se e pô-los a pensar, por exemplo, o que sente a criança ou um polícia que é chamado 136 vezes a uma casa, como conta uma subcomissária no livro. O que sente um agente que é chamado 136 vezes a uma casa e encontra uma criança agarrada às pernas da mãe e a fazer chichi enquanto o pai o puxa pela mão e lhe diz ‘Tens de vir porque tenho aqui um papel que prova que hoje é o meu dia de visita”?
Concorda com a sugestão de criação de uma “bolsa” de advogados especialistas em direito das crianças?
Concordo, porque há questões de desenvolvimento infantil e de psicologia que podem ajudar estes profissionais a compreender e a acompanhar melhor a criança. Depois, as crianças têm efectivamente o direito de ser ouvidas mas têm de ser ouvidas por profissionais capazes de evitar processos de revitimação. A figura do advogado da criança tem que saber desmontar, por exemplo, a ideia que muitas destas crianças têm que aos 12 anos são elas a decidir com quem vivem.
Abolido o limite etário, os tribunais estão a ouvir mais as crianças envolvidas nestes processos?
Cada vez mais e logo a partir dos sete, oito anos. O que os tribunais fazem é pedir uma avaliação prévia para perceber qual é a capacidade de discernimento destas crianças. Quanto mais novas, maior a necessidade de serem bem ouvidas e em locais adequados. Alguns tribunais portugueses têm procurado criar espaços com material lúdico, em que a criança possa desenhar e brincar e ser ouvida num ambiente de informalidade, sem becas nem togas, o que já traduz, por parte do sistema judicial, um reconhecimento desta necessidade.