REN pode vir a pagar metade da factura da tarifa social do gás
Governo quer “transportadoras” e “comercializadoras” a financiar a tarifa social do gás, em vez dos consumidores. ERSE tem que adaptar tarifas à nova lei e propõe que metade do custo passe para a REN.
A alteração ao modelo de financiamento da tarifa social de gás natural foi uma das normas que entrou em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2018. Até à data, este desconto na factura aos clientes vulneráveis tem sido repartido pelos restantes consumidores. No entanto, o OE determinou que os “custos decorrentes” da medida (que há cerca de um ano tinha 37 mil beneficiários, para um universo de 1,5 milhões de clientes) “são suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural na proporção do volume comercializado de gás no ano anterior”.
Obrigada por esta “alteração da ordem jurídica” a adaptar os seus regulamentos, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) pôs em consulta pública uma proposta de alteração ao regulamento tarifário e ao regulamento de relações comerciais do sector do gás natural, que se espera que entre em vigor a tempo da publicação das novas tarifas, a 1 de Julho. Para as tarifas existentes desde 1 de Julho de 2017 e válidas até 30 de Junho, a ERSE estimou que os custos com a tarifa social atingissem 1,4 milhões de euros.
No novo figurino, caberá à REN Gasodutos (enquanto operador da rede de transporte) passar a assumir boa parte do encargo: “Os custos [da tarifa social] são suportados em metades iguais pelo operador da rede de transporte e pelos comercializadores”, lê-se na proposta da ERSE. Mas a entidade reguladora quer saber na consulta pública (que decorre até 2 de Março) se devem ser o operador da rede de transporte e os comercializadores de mercado e de último recurso os “agentes financiadores” da medida, se algum deve ser excluído ou outros incluídos, e se o modelo de repartição proposto é o adequado.
O PÚBLICO questionou a REN sobre este tema, mas não obteve resposta. Também não foi possível obter um comentário da Galp que, além da comercialização em mercado (onde é líder, em volume), detém oito distribuidoras regionais com obrigações de comercialização de último recurso.
A ERSE deixa subentendido que o texto da lei orçamental não é suficientemente claro quando usa a expressão “empresas transportadoras”. No seu esforço para “traduzir o legalmente exposto” pelo OE, o regulador nota que “o universo de agentes que passa a financiar” o subsídio “será “composto necessariamente” pelas empresas transportadoras e comercializadoras. “Ao conceito de ‘empresas transportadoras’ é seguramente subsumível o operador da rede de transporte (ORT), por ser responsável pela actividade de transporte de gás natural”, mas isto não invalida que possam surgir “ulteriores elementos interpretativos”, admite a ERSE.
Na categoria de comercializadoras, a entidade reguladora inclui as que estão em mercado livre e as comercializadoras de último recurso – como as várias distribuidoras regionais do grupo Galp, a Tagusgás (que é participada pela Galp), a Sonorgás (do grupo Dourogás, que também tem a Goldenergy). Quanto à antiga EDP Gás, que é hoje a REN Portgás, segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, a obrigação de comercialização de último recurso não passou para a REN.
De acordo com a ERSE, o desconto de 31,2% proporcionado pela tarifa social representa, para “um consumidor médio” elegível, um desconto de 3,45 euros na factura mensal: 7,60 euros (sem IVA) que comparam com 11,05 euros sem a tarifa social. Em Novembro, dos cerca de 1,5 milhões de clientes no mercado, 1,140 milhões – 97% do consumo – já estavam no mercado liberalizado.
Na proposta de alteração, a ERSE salienta que, à semelhança do que se verifica na tarifa social da electricidade, “não pode, nas tarifas a aprovar, aceitar a repercussão dos custos relativos ao financiamento da tarifa social do gás natural sobre os consumidores”. No caso da tarifa social da electricidade (que tem cerca de 800 mil beneficiários), o custo é suportado pelos produtores de electricidade, em função da potência instalada.
Apesar das alterações ainda estarem em consulta pública, algumas empresas contactadas pelo PÚBLICO deixam alertas sobre esta transferência de encargos: É “importante vincar que, ao atribuir às empresas mais custos, se está indirectamente a aumentar os preços das tarifas e por sua vez o custo da factura dos consumidores”, disse ao PÚBLICO fonte oficial do grupo Dourogás, que no novo modelo seria chamado a financiar a medida através da Sonorgás e da Douroenergy.
Custos que se imputam aos operadores “sem compreender o sistema na sua globalidade” geram o risco de “criar contrapesos e entropias” que podem “levar ao aumento do défice tarifário no médio longo prazo”, frisou a mesma fonte.
Defendendo que o actual modelo de financiamento deverá manter-se, Manuel Azevedo, presidente da Energia Simples, sustenta que os custos não podem ser imputados aos operadores em mercado, pois “qualquer custo adicional vai reflectir-se na tarifa final dos outros consumidores”.