Greve de procuradores volta a estar em cima da mesa
Sindicato de Magistrados do Ministério Público diz serem inaceitáveis as mais recentes propostas do Governo para alterar estatuto profissional e diz-se disposto a travar "guerra sem quartel"
O Sindicato de Magistrados do Ministério Público (SMMP) volta a equacionar fazer greve, depois de o Ministério da Justiça ter introduzido alterações de última hora ao seu estatuto profissional que entendem ser lesivas dos seus direitos.
Em causa estão disposições introduzidas na versão mais recente da proposta de lei do Estatuto do Ministério Público, datada do final do mês passado, que segundo o sindicato implicam reduções de salário para alguns procuradores. "Algumas normas da proposta são inconstitucionais e afectam direitos adquiridos dos magistrados", avisa o sindicato, que num parecer que divulgou esta terça-feira ao final da manhã se diz disposto a travar uma "guerra sem quartel" contra esta intenção do Ministério da Justiça.
Outra alteração considerada gravosa relaciona-se com a forma como estes profissionais passam a ser escolhidos para integrarem os Departamentos de Investigação e Acção Penal espalhados pelo país: em vez de ser por concurso, como até aqui, ficam dependentes de indicação dos procuradores-gerais distritais, ou seja, da confiança dos superiores hierárquicos, que passam a ser quem propõe o seu nome ao Conselho Superior do Ministério Público. "A proposta prevê a escolha de magistrados para o desempenho de determinadas funções-chave com base em indicações de carácter pessoal e não de acordo com um concurso baseado em regras transparentes e bem definidas, próprias de um sistema que preserva a ética republicana", critica o sindicato.
"Não aceitamos esta proposta do Ministério da Justiça, que irá implicar um confronto se não houver retrocesso", observa o presidente do SMMP, António Ventinhas. Afinal, recorda, quase desde o início das negociações com o Governo, que começaram no Verão passado, que o sindicato está mandatado pelos sócios para marcar uma greve, se as circunstancias assim o ditarem.
Segundo o dirigente sindical, várias destas alterações de última hora não foram sequer discutidas em sede negocial, enquanto outras matérias tinham sido alvo de um acordo agora violado. "Houve questões em que o Ministério da Justiça voltou atrás", lamenta António Ventinhas. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça diz que como só recebeu o parecer em causa ao início da tarde desta terça-feira ainda vai analisá-lo.
Outra das questões que suscita repúdio ao sindicato prende-se com o novo regime proposto para a jubilação dos magistrados, que os "coloca numa espécie de reserva militar" em que "poderão ser chamados a prestar serviço contra a sua vontade a todo o tempo, sem qualquer limite de idade, ficando obrigados a trabalhar até falecer" - apesar de terem estado ao serviço 40 anos para se poderem jubilar. Por outro lado, o sindicato continua a reivindicar aquilo que designa por "uma verdadeira autonomia para o Ministério Público", sem a qual esta continuará a ser "uma magistratura de mão estendida, que terá de mendigar meios para a prossecução das suas funções constitucionais".
Desporto e amancebamento
No que às incompatibilidades diz respeito, continuam a estar vedadas aos procuradores, tal como até aqui, outras funções profissionais, sejam elas públicas ou privadas. Existem, porém, excepções a esta regra, e o SMMP não concorda com todas elas. É o caso do exercício de funções não profissionais e não remuneradas em entidades ligadas às competições desportivas profissionais. "O desporto profissional movimenta somas cada vez maiores, assume formas de gestão sofisticadas e, em muitos casos, envolve situações potenciais de conflito com grande repercussão pública, o que poderá manchar a imagem do magistrado e da magistratura", insurge-se o sindicato no seu parecer.
A definição de infracção disciplinar que consta da proposta de estatuto do Governo também não é do agrado dos procuradores quando se refere a "actos ou omissões da vida pública" destes profissionais que sejam "incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício de funções". Para o SMMP, o conceito de omissões revela-se demasiado abrangente, podendo levar a "punições com base em juízos morais, tal como já sucedeu no passado". Disso foram exemplo os juízes que não estavam casados mas viviam com alguém, que se sujeitavam a punições disciplinares por estarem “escandalosamente amancebados”.