Vamos unir os pontos com Sandro Aguilar
Mariphasa, a segunda longa do realizador em 20 anos, em estreia mundial no Forum, é um filme assombroso.
Apesar dos seus 20 anos de carreira, Sandro Aguilar continua a ser um dos segredos mais bem guardados do cinema português. Há duas razões para isso. Primeira, porque nestes 20 anos assinou 14 curtas, e a sua única longa A Zona (2008) passou de relâmpago pelas salas portuguesas, quase sem deixar rasto. Segunda, porque o que ele faz – e assume-o, na conversa que teve com o PÚBLICO antes de partir para Berlim – é tudo menos fácil, simples, acessível; é um cinema que está mais próximo do imaginário inconsciente, “de qualquer coisa de menos dizível, de mais abstracto”. Um crítica argentino dizia nos corredores de Berlim, “um filme português que não seja fora do baralho não é um filme português”. Mas Aguilar estica esse “fora do baralho” até limites que, mesmo internacionalmente, poucos tentam. A sua obra é abstracta, cerebral, destinada aos espectadores que estejam dispostos a adivinhar e inferir o que o filme conta.
Mariphasa, segunda longa do realizador que teve agora a sua estreia mundial em Berlim na paralela Forum, é, no entanto, fita assumidamente mais acessível (dentro dos padrões do seu realizador). “Consigo ser muito mais experimental numa curta do que numa longa, porque o jogo com o espectador tem de ser alimentado de forma diferente,” explicou Aguilar. “Este é um filme mais acessível, que tem uma unidade de espaço e tempo, personagens que vamos vendo e reencontrando.” É, também, um filme assombroso no modo como a sua narrativa não se constrói mas na prática floresce exclusivamente a partir de fragmentos, de episódios que têm ligações aparentemente ténues, sugerindo mais do que explicando, deixando ao espectador o cuidado de criar o seu próprio percurso através do filme.
É um jogo de “unir os pontos” para descobrir a imagem, pontos que ligam entre outros um funeral, um pai enlutado, um carro destruído a pé de cabra, um caçador marialva, uma veterinária, uma porta arrombada e uma planta que não existe (a “mariphasa” do título, “um antídoto para uma transformação que, a ocorrer, terá consequências terríveis”, nas palavras do seu autor) e que abre as portas do fantástico ao filme. O que interessa, contudo, é que tudo o que parece opaco no papel encaixa e faz sentido no ecrã, mesmo que seja um sentido que não se explica (e que o filme não tenta sequer explicar) mas que se sente aqui dentro. Mariphasa seduz, envolve, perturba como um pesadelo claustrofóbico que nos deixa incertos quanto ao querermos realmente encontrar a saída. É um filme espantoso, a ser visto em sala, no maior ecrã possível.