Dez anos depois da independência do Kosovo, há razões para celebrar?
O mais jovem país europeu continua a encontrar entraves ao reconhecimento universal, o que a par das divisões étnicas e da frágil economia traz desalento à celebração.
Não há símbolo que explique melhor as divisões que ainda hoje existem no Kosovo do que a Ponte Nova de Mitrovica. Sobre o rio Ibar, divide a zona sul da cidade, ocupada por mais de 70 mil albaneses, da zona norte, que ficou reservada aos 14 mil sérvios. Foi esta a disposição que resultou da guerra do Kosovo, que se travou entre 1998 e 1999.
Nos últimos anos, nesta ponte foram construídas e depois destruídas barricadas. Foram mortas pessoas que a tentaram atarvessar – com os sérvios de um lado a dispararem contra os albaneses que se arriscavam. No ano passado o tráfego foi reaberto, mas muitos dos habitantes de Mitrovica atravessam a ponte para logo voltarem para trás – fazem apenas um percurso simbólico.
“A ponte é um símbolo das fracturas, das guerras e da dor que marcaram a história dos Balcãs nos últimos 25 anos.” Foi assim que Federica Mogherini, alta-representante da União Europeia para a Política Externa, a descreveu no ano passado.
A Ponte Nova é o espelho do passado violento, mas também do impasse actual de um país que, no dia 17 de Fevereiro de 2008, declarou unilateralmente a independência. Espera pelo reconhecimento universal, espera o fim da tensão étnica com os sérvios no seu território e nos Balcãs, espera ser chamado a juntar-se ao bloco europeu e à ONU.
Em 1998, a rebelião dos separatistas albaneses no Kosovo que queriam um Estado independente contra o domínio jugoslavo na região levou a uma brutal repressão por parte do Exército de Belgrado. O sangrento conflito terminou com a maior intervenção até hoje da NATO, que obrigou o então presidente Slobodan Milosevic a recuar.
Foi declarada a independência, o que deu esperança ao mais jovem país europeu. Mas a esperança foi dando lugar ao desalento – a tão esperada soberania trouxe mais preocupações do que motivos para festejar.
“Foi um dia muito importante para nós – os meus pais sonharam em ter o seu próprio Estado. Nós lutámos por isto”, disse ao Washington Times Hermonda Kalludra, de 25 anos, estudante em Pristina. “Sinto-me bastante emocionada, mas não posso dizer que há motivo para celebrar, porque não tem havido muito progresso.”
Reconhecimento tarda
Depois de declarada a independência, seguiu-se uma batalha que dura até hoje: o reconhecimento internacional. Estados Unidos, França e Reino Unido reconheceram quase de imediato a soberania do Kosovo. Em 2009, e devido aos esforços diplomáticos de Londres e Washington, mais de 50 Estados fizeram o mesmo (até hoje, foram 115 países) e o Kosovo juntou-se ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
O mundo, normalmente avesso a declarações unilaterais de independência, parecia estar a abrir alas ao novo Estado. Porém, o reconhecimento universal foi esbarrando em algumas portas – por exemplo a das Nações Unidas, onde a Rússia e China, aliados da Sérvia, que não reivindica para si o território kosovar, mas rejeita a independência para proteger a comunidade sérvia do Kosovo, impedem a entrada do país através do seu poder de veto no Conselho de Segurança.
Na União Europeia, cinco dos Estados-membros também não reconhecem a independência do Kosovo – Espanha, Roménia, Chipre, Grécia e Eslováquia.
Há poucas semanas, Bruxelas apresentou o seu documento estratégico sobre as perspectivas de expansão futura do bloco, no qual a Comissão Europeia reforça o seu interesse em acolher os Estados dos Balcãs, mas deixa condições. “Os candidatos à adesão devem dar absoluta prioridade nas negociações ao Estado de direito, Justiça e direitos fundamentais”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Esta semana, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Sigmar Gabriel, foi mais específico, numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro kosovar, Ramush Haradinaj: “Se a Sérvia quer caminhar em direcção à União Europeia, tem de reconhecer a independência do Kosovo.”
O Presidente sérvio, Aleksandar Vucic, garantiu à Reuters que esse é um cenário pouco provável.
A recusa de um grupo de países em reconhecer a independência do Kosovo e o impedimento em entrar em algumas instituições internacionais são as batalhas externas. Mas serão as únicas do Kosovo?
Falta de oportunidades
O isolamento em relação ao resto da Europa é fonte de frustração para os kosovares. Mas muitos dos problemas surgem dentro de casa.
Para além das divisões étnicas – com mais um pico em Janeiro com o homicídio do político sérvio do Kosovo Oliver Ivanovic, em Mitrovica –, a corrupção que alastrou no país, o desemprego que não pára de aumentar e um sistema de educação considerado pobre são os principais entraves ao desejado progresso.
O Kosovo é o país europeu com a população mais jovem – 53% dos kosovares têm menos de 25 anos e na capital, Pristina, a média de idades é de 28 anos.
Venera Mustafa, de 35 anos, de Pristina, faz parte do grupo alargado de jovens que admite as dificuldades mas que reconhece os progressos feitos nos últimos dez anos. “Mesmo que existam problemas económicos, dá para sentir que alguma coisa está a mudar”, disse ao Politico.
Porém, o desemprego jovem que ronda os 60%, segundo o Programa de Desenvolvimento da ONU, é o principal motivo para que um em cada dois kosovares queira emigrar para o lado ocidental da Europa, de acordo com um estudo de 2016.
“Apesar de o crescimento económico do Kosovo ter superado o dos seus vizinhos e de ter sido amplamente inclusivo, não foi suficiente para reduzir as altas taxas de desemprego, para garantir empregos, principalmente para mulheres e jovens, ou para reverter a tendência de emigração em larga escala”, adianta o Banco Mundial.
“Enquanto estivermos presos neste gueto, teremos problemas”, disse Arben Berisha, líder do núcleo do Arsenal em Kosovo, ao New York Times. “Precisamos que os jovens vão para fora para estudar e depois tragam o seu conhecimento de volta.”
“Há dez anos, tivemos tempos mais felizes, e agora começámos a desmoralizar, porque não há rendimentos. É uma má situação para a juventude”, disse Lirie Shehu, reformado de 63 anos, ao Washington Times. “Eles estão a licenciar-se, mas não há empregos disponíveis. Não têm muitas oportunidades aqui.”
Neste cenário imperfeito, há poucas razões para festejar mais um aniversário. “As pessoas não estão dispostas a celebrar – não é como o 17 de Fevereiro de 2008, quando toda a gente foi para a rua”, lembra Agron Demi, analista político do GAP Institute, um think thank de Pristina.
Dez anos depois, o Kosovo independente enfrenta ainda barreiras no seu caminho – como as pessoas que atravessam a Ponte Nova de Mitrovica e voltam para trás.