Ex-aluno acusado de homicídio premeditado de 17 pessoas
Um jovem de 19 anos, que terá sido expulso em 2017, é suspeito de ser o autor do tiroteio em Parkland, nos EUA. "É uma catástrofe. Não há palavras."
O pesadelo repete-se nos EUA. Um atirador disparou nesta quarta-feira vários tiros numa escola secundária de Parkland, cidade a 72 quilómetros a norte de Miami. Fez 17 mortos e 14 feridos – quinze vítimas continuam hospitalizadas, três ainda em estado muito crítico. Depois fugiu. Foi detido cerca de uma hora depois numa cidade próxima, Coral Springs. "É uma catástrofe. Não há palavras", disse o xerife do condado de Broward, Scott Israel, duas horas depois.
O país voltava a reviver um pesadelo que já conhece, o de um tiroteio dentro de uma escola. Alguns ter-se-ão lembrado de Columbine (1999). Ou de Virgina Tech (2007). Outros ainda de Sandy Hook (2012). A trágica lista dos locais onde alguém entrou por uma escola e começou a matar tem uma nova entrada: a cidade é Parkland, o condado é Broward, a escola é a secundária Marjory Stoneman Douglas.
Este é o 18.º incidente com armas de fogo em escolas ou locais próximos de estabelecimentos de ensino nos Estados Unidos, desde o início do ano, segundo dados da organização Everytown for Gun Safety. A mesma entidade contabiliza 291 ataques com armas de fogo em escolas nos EUA desde 2013, uma média de um ataque por semana, salienta a BBC, citando os mesmos dados, que foram republicados por muitos jornais em todo o mundo – incluindo o PÚBLICO. Porém, uma análise posterior, entretanto publicada pelo diário Washington Post, coloca em causa a fiabilidade destas estatísticas.
Em primeiro lugar, o jornal aponta problemas metodológicos no levantamento dos casos, o que acaba por inflacionar os números. O diário dá como exemplo a inclusão naquela lista de um suicídio de um homem, de 31 anos, com uma arma de fogo, a 3 de Janeiro deste ano. O homem em causa estacionou o carro perto de uma escola primária e acabou por tirar a sua própria vida. O problema: a escola estava vazia há sete meses, fechada. Depois da publicação destas informações, a Everytown assumiu que iria retirar este episódio da lista. Em segundo lugar, o mesmo diário demonstra que a definição de tiroteio que aquela organização aplica é, no mínimo, bastante lata – o que leva a incluir naquela lista de 18 casos, alguns episódios que nada têm a ver com o ataque ocorrido na quinta-feira numa escola secundária na Florida. "Apenas cinco dos 18 casos contabilizados pela Everytown aconteceram durante o período lectivo e deles resultaram algum tipo de ferimento físico", salienta o jornal, que dá como certos outros números, igualmente impressionantes. Desde o ataque no Liceu de Columbine (Littleton, 1999), 150 mil estudantes de 170 escolas primárias e secundárias foram expostos ou participaram de alguma forma a um tiroteio dentro do perímetro de um estabelecimento de ensino.
Uma ameaça conhecida
O estabelecimento de Parkland tem uma população estudantil de pouco mais de 3100 alunos. O atirador, cuja detenção foi filmada por um repórter da estação WSVN (um canal de TV da Florida), era um ex-aluno daquela secundária. Foi identificado como sendo Nikolas de Jesus Cruz, de 19 anos. Um professor de matemática, Jim Gard, declarou ao jornal Miami Herald que Cruz "já tinha sido identificado como uma potencial ameaça para os colegas estudantes no passado".
"No ano passado foi-nos dito que ele estava proibido de entrar na escola com uma mochila", disse o mesmo docente. "Houve problemas com ele no ano passado e acho que ele foi expulso". Um outro estudante entrevistado pelo canal WSVN disse, por seu lado, que o suspeito teria armas em casa.
As motivações deste ataque são desconhecidas. O que se sabe é que momentos antes de se ouvirem os primeiros disparos, soou o alarme de incêndio na escola. Admite-se que tenha sido accionado pelo atacante. Professores, alunos e demais funcionários começaram a sair das salas. Era falso alarme. No Twitter, um aluno diz que foi uma forma de atrair pessoas para fora das salas. Um docente ouvido por um jornal americano afirmava que a população escolar teria sido avisada de que estaria programada uma simulação, um exercício para testar os mecanismos de evacuação.
O vídeo da detenção de Cruz foi publicado no Twitter. O suspeito foi depois retirado do local numa ambulância e transportado para um hospital. Não há até agora informação que leve a polícia a admitir que haja mais atacantes envolvidos.
Tudo aconteceu por volta das 15h locais (20h em Portugal continental), segundo o mesmo canal regional da Florida, altura em que as aulas estavam a terminar. "Todos os dias quando nos levantamos da cama rezamos para que não tenhamos de ver um dia assim. Hoje é esse dia. Está perante os nossos olhos. Peço à comunidade que rezem e que apoiem todos os estudantes e as suas famílias", declarou Robert Runcie, director do agrupamento a que pertence a escola secundária que foi palco deste ataque ao canal WSVN.
A Casa Branca foi informada do sucedido. "Pensamos e rezamos por todos aqueles que estão a ser afectados por esta situação. Faremos actualizações assim que houver novidades", declarou Lindsay Walters, responsável daquele gabinete.
Alguns minutos depois, o próprio Presidente Trump fez uma declaração sobre o sucedido, através do Twitter. Além de apresentar condolências, acrescentou que "nenhuma criança, professor ou seja quem for deveria sentir-se inseguro numa escola americana".
O FBI também foi mobilizado para o local. Equipas de intervenção, fortemente armadas, entraram em acção depois de Cruz ter sido detido.
As reacções públicas avolumam-se. Elizabeth Esty, do Partido Democrata e eleita pelo Connecticut para a Câmara dos Representantes, lamenta mais esta "excepção". "Pensamos na América como um país excepcional. E somos – somos a excepção à regra que diz que não há tiroteios em escolas, igrejas, concertos e outros locais públicos, numa base regular que é alarmante", comentou, através do Twitter.
O vice-presidente Mike Pence, apoiante do actual statu quo no que diz respeito à venda de armas nos EUA, declarou estar de "coração partido".
De acordo com a estação de televisão WSVN, Cruz esteve seis horas sob interrogatório pelas autoridades, nomeadamente sobre como teria adquirido a máscara de gás que envergava, a espingarda semi-automática AR-15 e outro equipamento militar que usou durante o tiroteio. Terá seguido depois para o estabelecimento prisional de Broward. Segundo notícia de última hora da Reuters, impendem sobre o detido 17 acusações de homicídio premeditado.
Notícia alterada às 22h23 de 15/02/2018: A versão inicial deste texto dava como boa a estatística da organização Everytown for Gun Safety, segundo a qual teria havido 18 tiroteios em escolas norte-americanas, ou zonas próximas de escolas. Este número é contestado, como se explica nos terceiro e quarto parágrafos, acrescentados numa revisão da notícia original, com base na fonte aí indicada, o Washington Post.