As decisões difíceis são para tomar antes das eleições europeias, defende Juncker
Presidente da Comissão Europeia antecipou o debate da próxima cimeira informal de chefes de Estado e governo e avançou ideias para a selecção do seu sucessor. Avisou que vai ser preciso cortar verbas nas políticas de coesão e agricultura para cumprir a agenda pós-2020.
As eleições europeias só são em Maio de 2019, mas a mensagem que a Comissão Europeia quer transmitir aos líderes dos Estados membros da União é de que o tempo das decisões, no que diz respeito à definição do próximo quadro financeiro plurianual, ou à escolha do próximo presidente da Comissão, é já agora.
“Temos de agir em tempo útil para não repetir os erros do passado”, afirmou Jean-Claude Juncker, que considera fundamental que os eleitores europeus conheçam os candidatos de cada família política ao cargo de presidente da Comissão antes de irem às urnas, ou que os beneficiários das políticas europeias saibam exactamente com que verbas podem contar para tomarem as suas decisões de investimento.
Tomando posição na grelha de partida do debate político sobre as questões orçamentais e institucionais que se vai iniciar já na próxima semana numa cimeira informal de chefes de Estado e governo da União Europeia, em Bruxelas, o presidente da Comissão avançou algumas propostas que estão em rota de colisão com as ideias dos líderes de vários países. Por exemplo, para a selecção do seu sucessor no cargo, Juncker defende a manutenção do sistema de nomeação de cabeças de lista pelos grupos políticos do Parlamento Europeu (spitzenkandidaten) — um processo que, reconheceu, não foi recebido com simpatia e continua a suscitar reservas ou até forte oposição, nomeadamente do Presidente francês, Emmanuel Macron.
“Esta inovação não passou com facilidade em 2014. As coisas não correram exactamente como eu desejava”, admitiu Juncker, o primeiro spitzenkandidat em funções. Mas o facto de ter sido “triplamente eleito” (pelos cidadãos, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho) permite-lhe actuar com total independência. “Não sou escravo de uns nem servo de outros”, observou Juncker, para quem a decisão soberana deve estar na mão dos eleitores. Além disso, lembrou, “as pessoas não gostam de votar em gatos pardos”, uma farpa dirigida a Macron que ainda não definiu em que grupo político do parlamento pretende inserir o seu movimento, Em Marcha.
Já na componente orçamental, o presidente da Comissão preparou-se para um confronto com os países que são beneficiários líquidos da UE, ao alertar para a inevitabilidade de cortes nas verbas destinadas às políticas comuns de agricultura e de coesão “de forma a cumprir todas as prioridades” da agenda pós-2020. A manutenção dos actuais envelopes dessas políticas é uma linha vermelha para vários países, entre os quais Portugal.
“Sou um amigo da política de coesão, pela qual me bati desde o primeiro pacote Delors no fim dos anos 80. E não sou a favor de cortes cegos”, justificou Juncker, lembrando que no próximo quadro financeiro plurianual a Comissão terá maiores necessidades de financiamento e menos verbas disponíveis, em função do “Brexit”. “Não é possível continuar como dantes, mas estou convicto que conseguiremos chegar a acordo sobre um orçamento que irá reverter, em termos líquidos, em benefício de todos”.
As negociações ainda estão em curso e a proposta concreta da Comissão para o próximo quadro plurianual só será divulgada em Maio. No entanto, esta quarta-feira já foram avançadas algumas ideias que estarão no documento: a de que as contribuições nacionais para o orçamento da UE precisarão de crescer para mais de 1,1% do Rendimento Nacional Bruto; a de só haverá investimento em projectos com “valor acrescentado europeu” ou a possível introdução de uma condição para receber verbas. Um Estado membro só terá direito a verbas da UE se respeitar os valores do Estado de direito — uma ideia que é rejeitada pelos países de Leste.
“Muitos desejos e poucas convicções”
Embora não seja um dos temas na ordem do dia, Jean-Claude Juncker não escondeu o seu entusiasmo com a ideia de uma fusão das funções do presidente da Comissão e do Conselho, que daria origem à existência de um presidente com dois cargos, eleito por sufrágio universal. Lembrando que não há nada nos tratados que impeça a concretização dessa ideia, o presidente da Comissão reconheceu que essa reforma não será para fazer agora, “quando já estamos a exigir tantos esforços aos países”. Mas “deve ser explorada no futuro”, para tornar a estrutura europeia mais eficiente e consolidar a autoridade da liderança.
Valendo-se da sua condição de “veterano” das lides europeias, Juncker chamou a atenção para as consequências “desastrosas” para o projecto europeu no caso de não haver um bom relacionamento entre os presidentes da Comissão e do Conselho (ao mesmo tempo que garantia ter um “excelente entendimento” com Donald Tusk).
Aliás, recuando no tempo, Juncker evocou os tempos da comunidade de dez membros: “Quando nas reuniões se perguntava quem queria um café, levantavam-se oito mãos. Agora, uns querem um expresso, outros, um café com leite, outros dizem que só bebem coca-cola. É assim a Europa de hoje: muitos desejos e poucas convicções”, comparou.