O pescador Francisco pede a São Pedro que não mande chuva
Em Vila Velha de Ródão o rio está morto, não há peixe nem lagostins. Irritado, Francisco São Pedro não esconde a mágoa com a celulose.
Pela proximidade do nome, talvez consiga meter uma cunha: Francisco São Pedro o pescador mais activo contra a Celtejo, em Vila Velha de Ródão, pede encarecidamente a São Pedro que não mande chuva nos próximos tempos para que se possa continuar a ver nas águas do rio o que a celulose está a fazer ao Tejo nos últimos três anos. “A matá-lo, é o que estão a fazer. Aquelas malditas fábricas, aqueles assassinos que ali estão andam a matar o Tejo”, diz, em tom revoltado, aos jornalistas e aos deputados comunistas João Oliveira e Ana Mesquita.
Depois de uma volta de uma hora pelas águas do Tejo, de Vila Velha de Ródão para jusante, passando as Portas de Ródão acompanhados pelo voo dos grifos e de alguns corvos marinhos, foi na relva junto ao cais que Francisco veio mostrar a sua angústia. Durante o passeio, ao lado do barco com a comitiva comunista e jornalistas, ia fazendo guinadas com o velho Lobo do Mar, o seu pequeno barco, para mostrar como agora a água está limpinha, “parece vidro”, ao décimo dia da redução obrigatória para metade das descargas da celulose cujo fumo se ergue acima do céu da vila ribeirinha e deixa um cheiro pestilento no ar.
“Quando isto estava contaminado é que deviam ter vindo cá”, gritava. Nessa altura, a água era preta. “Parecia café! Isto dói-me no coração!”, grita em voz já embargada, enquanto bate com a mão no peito. Quanto mais fala “neles” mais se irrita. Leva toda a gente à frente, dos gestores da Celtejo, aos engenheiros que vigiam o caudal do rio lá do alto do monte e que “telefonam para a fábrica ‘podem abrir a mistela…’”, passando pelo presidente da câmara que acusa de inércia.
Por aqui não há peixe algum, não há lagostins. Só se consegue pescar alguma coisa – carpa, barbo, lúcio-perca, achigã, boga, lampreia e lagostins – a montante de Ródão e a jusante só para lá do Fratel. Francisco aponta para uma bóia amarelada, a poucos metros dos barcos acostados: na água parada notam-se uma bolhinhas a rebentar. A bóia marca a boca do tubo de descarga da Celtejo e Francisco garante que estão a fazê-la naquele momento.
Desde há três anos, o cenário piorou: a fábrica duplicou a capacidade de produção mas não os tanques de tratamento. Quando perdeu 300 quilos de lagostins que passara uma semana a armadilhar com esforço, decidiu-se que teria que ser ele a denunciar a Celtejo. Na volta do correio recebeu uma ameaça de processo do gestor da fábrica, mas nunca se calou.
Denunciou uma e outra vez, mas as manchas vindas das tubagens da celulose eram rapidamente “tapadas” pelas descargas de água das barragens espanholas de Cedillo e de Alcântara. Até há duas semanas, quando a falta de água no rio denunciou as descargas excessivas dos líquidos da produção da pasta de papel. “É isto que eu quero este ano: Deus queira que não venha água para toda a gente ver o que eles andam a fazer.”