Acesso do fisco às contas bancárias em stand-by
Contribuintes “podem estar descansados” com a informação guardada no fisco, garante o secretário de Estado.
Depois das falhas do fisco que omitiram dados sobre 10.000 milhões de euros de transferências para offshores, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tranquiliza os cidadãos e garante que a informação recebida pela Autoridade Tributária (AT) está “bem segura”. Sobre o “apagão” comenta: “Esperemos que não se volte a repetir, evidentemente.”
O primeiro veto do Presidente da República [em Setembro de 2016] teve que ver com o acesso da AT a informação sobre o saldo anual das contas bancárias acima de 50 mil euros. Na altura, o Governo admitiu que poderia voltar a esta medida. Ficou definitivamente na gaveta?
Vamos avaliando ao longo do ano todas as medidas. Havendo alguma novidade, será seguramente matéria que trataremos na proposta de lei de Orçamento. Não é um assunto em que esteja a trabalhar.
O argumento para o seu chumbo foi o de que o sistema financeiro não estaria suficientemente estabilizado. Neste momento, ouvindo qualquer responsável do Governo, não há qualquer tipo de problema com o sistema financeiro. Qual é o motivo pelo qual a medida não avança? Deixou de ser importante para o combate à fraude e evasão?
Temos feito um esforço muito grande na estratégia de troca de informações entre diversas jurisdições. Evoluímos do paradigma do fornecimento de informação espontânea para a informação automática. Se do ponto de vista transfronteiriço essa informação é importante, evidentemente do ponto de vista interno o é. Não há nenhuma correlação entre o não avanço imediato da medida e qualquer questão relativa à estabilização do sistema financeiro. Se sentirmos necessidade de voltar a essa proposta, voltaremos. Neste momento não estou a trabalhar nessa proposta. Não significa que amanhã não possa estar.
Não havendo esta medida, de alguma forma ela torna mais difícil o cruzamento de informação?
Acesso a mais informação significa mais meios, mas também o sacrifício do direito à privacidade. Não acho que circunscrever a questão a uma medida concreta possa resumir o empenho no combate à fraude. A troca de informações é muito relevante, designadamente quando estamos a falar da lista dos regimes fiscais de tributação privilegiada. Estamos a trabalhar do ponto de vista técnico, no Centro de Estudos Fiscais, a fazer uma avaliação muito rigorosa de toda a nossa lista [de paraísos fiscais] para podermos apresentar no início do segundo trimestre deste ano a reformulação da lista.
Portanto, ela tenderá a ser mais reduzida.
Temos de preservar a base tributária portuguesa. E temos de avaliar de que forma essa preservação é mais efectiva. Introduzimos a regra do critério material, que nos permite, no caso de termos regimes em que a tributação é claramente mais favorável, muito parecida com os chamados “paraísos fiscais”, que possa haver um mecanismo de penalização das operações de grupos sociedades que têm operações com essas jurisdições. Esta reflexão é muito técnica e deve ser feita sem partidarizar esta questão, que não é partidarizável. Para preservar a base tributável portuguesa, o que é mais relevante? Ter uma lista [negra] com 80 países, a maior da União Europeia? Ou termos mecanismos de troca de informação efectiva [com os países que não estão nessa lista] que me permitem identificar rendimento que eventualmente não foi declarado em Portugal e que se encontra noutra jurisdição? Se estiver na lista, eu não tenho acesso a essa informação. Mas o facto de não estar na lista não significa que eu não possa utilizar o critério material que penaliza essas operações e, em segundo lugar, utilizar a informação para fazer um combate mais efectivo à evasão.
O Estado português acaba por ter uma lista negra e uma lista cinzenta de países com características idênticas, mas que, não estando nessa lista negra, têm tributação agravada nas operações relacionadas com Portugal. Haverá medidas mais apertadas para garantir uma efectiva tributação?
Neste momento não temos uma avaliação que nos leve a alterar o que já está definido. Os mecanismos de troca de informação permitem identificar rendimentos que deveriam estar a ser declarados em Portugal e aos quais de outra maneira eu não teria acesso.
Constatou isso no caso dos três paraísos fiscais que no ano passado saíram da lista negra [Jersey e Ilha da Man e o Uruguai] e que este ano voltaram?
Bem, é um facto que o volume de saldos bancários de residentes portugueses numa dessas jurisdições era de uma magnitude elevadíssima. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que esta discussão não seja partidária.
Admite conversar com o PSD e o CDS para ponderar uma redução da lista negra?
Admito falar com o Parlamento, porque registo que os senhores deputados têm tido muito interesse nesta matéria. Não alienamos a nossa responsabilidade de decidir. Mas decidir num ambiente calmo, sem polémicas.
Todas as questões que no último ano convocaram matéria de estatísticas sobre offshores e a discussão sobre a lista de paraísos fiscais foram muito politizadas e, desde logo, pelo primeiro-ministro. É fácil agora retomar uma discussão dessas?
A dinâmica política condiciona sempre qualquer decisão. Aquilo que estamos a querer fazer sobre esta matéria é ter um debate muito tranquilo. Mais: não vivemos sozinhos no mundo. Houve países e territórios que fizeram uma enorme evolução relativamente à forma como organizam o seu próprio sistema fiscal.
O Panamá acabou de ser retirado da lista negra europeia. Como olha para essa decisão, porque ela nos convoca para alguma avaliação diplomática e política, uma vez que foi o país que esteve no centro das revelações dos Panama Papers?
Registo que, ao mesmo tempo, foi tomada a decisão acertada da retirada da Região Administrativa Especial de Macau, com que temos ligações históricas.
Portugal teve alguma intervenção?
Portugal tem sempre intervenção em todos os fóruns em que participa... Dos termos em que essa intervenção é feita não podemos estar aqui a falar politicamente, porque não conheço todos os detalhes. Mas acompanhei de perto.
Estas matérias também têm que ver com a segurança da informação recebida e tratada pela Autoridade Tributária. Um contribuinte sujeito a IRS entrega a sua declaração através do Portal das Finanças. Foi pela mesma via, com características diferentes, que os bancos submeteram a informação relativa a transferências para offshores e, aí, houve informação que não chegou à área da inspecção tributária. Um cidadão comum olha para uma situação destas e pode ficar descansado em relação à segurança da informação recebida pela AT?
A AT tem dados muitas provas que, não sendo notícia, são uma boa notícia. A AT guarda bem a informação e tem a consciência muito firme da sua vinculação ao sigilo fiscal. Os contribuintes podem estar absolutamente descansados com a forma exemplar como a Autoridade Tributária respeita a informação de que trata, muitíssimo sensível. Se há melhorias a introduzir nos processos? Com certeza, todos nós estamos a procurar melhorar. Esse caso em concreto de que me está a falar [“apagão” de dados de 10.000 milhões de euros] é objecto de uma grande atenção por parte da Autoridade Tributária. Esperemos que não se volte a repetir, evidentemente.
Mas que garantias pode dar sobre o que está a ser feito precisamente para que uma situação destas não se repita?
A Autoridade Tributária tem os seus próprios mecanismos de auditoria interna e de autocontrolo relativamente às várias matérias de que trata. É uma instituição confiável. Nos nossos processos de reorganização interna estamos a dar um foco muito particular à componente do tratamento da informação. A informação [recebida pela AT] está bem segura, tanto pelos funcionários como pela organização no seu todo.