Polícia humilha e "reeduca" mulheres transgénero, intensificando repressão a pessoas LGBT
Doze mulheres transgénero foram despidas em público em Aceh, foi-lhes cortado o cabelo e foram obrigadas a gritar "como homens" enquanto eram filmadas. Jacarta lança investigação, mas muçulmanos de Aceh manifestam-se contra "população desviante crescente".
Na semana passada, a polícia da província indonésia de Banda Aceh juntou um grupo de 12 mulheres transgénero que trabalhavam em salões de beleza da região e forçou-as a despir-se e a cortar o cabelo em público. Foram depois detidas e terão passado por um processo que a polícia considerou ser de “reeducação”. Desde então, vários cidadãos transgénero estão a fugir de Aceh, relata o Guardian, e se Jacarta lançou uma investigação aos abusos, houve também já manifestações de muçulmanos locais contra essa investigação.
Vários vídeos da detenção e humilhação pública das 12 mulheres circulam via internet. Neles são visíveis vários homens que gritam, filmando com telemóveis, enquanto alguns polícias fardados e até mesmo de rosto tapado vedam o que parece ser a porta de um estabelecimento comercial em torno de uma mulher que é rodeada pelos transeuntes e depois encaminhada para um local onde, passando o vídeo a uma sucessão de fotografias, se vêem várias pessoas deitadas num relvado e várias pessoas sem camisola, agachadas no chão, e o cabelo de uma delas é cortado. Tudo durante a noite, num incidente cujos contornos foram confirmados e detalhados pela polícia.
Segundo escreve a correspondente do diário britânico The Guardian na capital indonésia, foram depois obrigadas a vestir roupas masculinas, a fazer exercícios como flexões e abdominais e a gritar e falar com tons masculinos. O canal australiano ABC mostra um vídeo em que um polícia é ladeado por várias pessoas de camisa branca e cabelos curtos que gritam “como homens” – são palavras do responsável da polícia, que enviou ele próprio as imagens ao canal do país vizinho. O vice-comissário da polícia de Aceh, Untung Sangaji, explicou então ao canal: “Mudámos-lhes as roupas. Estavam a usar vestidos. Comprei-lhes camisas e disse-lhes para gritar. Primeiro soavam femininos, mas depois soam melhor”. Depois, acrescentou, “o nosso imã deu-lhes um sermão”.
Fontes próximas dos detidos disseram ao Guardian que as mulheres foram também espancadas, nuas, pela polícia, e que estão traumatizadas após terem sido postas em liberdade. As mulheres foram libertadas dia 28, sem terem sido acusadas de qualquer crime, indica a Amnistia Internacional da Indonésia, cujo director, Usman Hamid, criticou as rusgas, enquadrando-as como uma de várias formas de perseguição aos cidadãos transgénero e LGBTI no país, perseguidos “só por serem quem são”.
“Cortar o cabelo das pessoas detidas para as ‘tornar masculinas’ e forçá-las a vestir-se como homens são formas de humilhação pública e constituem um tratamento cruel, desumano e degradante”, disse em comunicado, em que classifica o sucedido como uma “clara violação dos seus direitos humanos.”
O acto da polícia de Aceh, região conservadora, surgiu na mesma semana em que o Parlamento indonésio propôs que seja criminalizado o sexo homossexual e extraconjugal. Aceh é uma província semi-independente e desde 2003 instituiu que uma forma da lei islâmica, a sharia, vigora na região. Em Aceh, a homossexualidade é ilegal e os activistas LGBT são alvo de perseguição. Já ocorreram ataques de grupos organizados a hotéis e outros locais onde estão reunidos cidadãos transgénero e que são depois levados às autoridades.
O comissário Sangaji, detalha a ABC australiana, é um herói local desde os atentados de 2016 e justificou a rusga como sendo melhor para as visadas, “em vez de serem atacados e incendiados” por organizações fundamentalistas como a Frente de Defesa Islâmica. As rusgas aconteceram porque houve queixas de pais por os seus filhos visitarem salões de beleza geridos por mulheres transgénero. “Apanhamo-los e reeducamo-los”, diz Untung Sangaji, que explicou aos jornalistas que tinha discutido as rusgas com líderes religiosos islâmicos. "As pessoas não querem que a população travesti [sic] cresça como noutras zonas"; "Aceh, como a veneranda Meca, é o barómetro para o islão na Indonésia", referiu, dizendo ter de respeitar os ditames religiosos e "evitar uma população desviante crescente".
Perante a reacção da opinião pública à perseguição às mulheres transgénero, que segundo activistas locais se vão manter agora escondidas por medo de retaliações e abusos, o porta-voz da Polícia Nacional indonésia informou que está em curso uma investigação aos agentes envolvidos na rusga. Sexta-feira, houve uma manifestação com a participação de vários grupos muçulmanos em Aceh contra a intervenção da polícia de Jacarta – “Não odiamos as pessoas LGBT, mas o que odiamos é o seu comportamento”, gritava o governador de Aceh, Irwandi Yusuf, na manifestação. No protesto, sobretudo pacífico segundo o canal norte-americano ABC, queimaram-se ainda assim algumas efígies; os cartazes reclamavam em inglês: “LGBT não é a sabedoria local de Aceh”; “Libertem Aceh de travestis”.
Em Maio de 2017, dois homens homossexuais foram açoitados 83 vezes em público com canas; segundo a Human Rights Watch, só no ano passado foram feitas 300 detenções de pessoas LGBT nas suas casas, hotéis ou locais de diversão.