Refugiados acabam explorados na apanha da azeitona em Alqueva

Largas dezenas de cidadãos africanos que vieram trabalhar nos olivais, muitos deles fugidos da África subsaariana, não conseguem a sua legalização por incapacidade do SEF. O que os deixa nas mãos das máfias

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Os trabalhadores vivem em contentores e ainda pagam por isso

Desde 2010 que as comunidades rurais, com maior incidência na chamada zona dos barros de Beja que abrange os concelhos de Beja, Serpa, Ferreira do Alentejo, Cuba e Aljustrel, são “invadidas” por imigrantes, que chegam para a campanha da azeitona. Primeiro vieram do leste europeu (ucranianos, moldavos, búlgaros). Depois os asiáticos (tailandeses, nepaleses, indianos, paquistaneses). Este ano, chegaram centenas de imigrantes oriundos da África subsaariana (Senegal, Guiné Bissau, Guiné Conacry, Gambia). A nacionalidade dos imigrantes muda quase todos os anos, mas o regime de exploração de mão-de-obra ilegal mantém-se por incapacidade das autoridades portuguesas em fazer cumprir a lei por aqueles que os exploram e em legalizar quem chega, na maior parte dos casos trazidos pelas redes de tráfico de mão-de-obra ilegal.

Foram várias as denúncias feitas por trabalhadores africanos e indianos ao PÚBLICO. Queixam-se, não só da exploração a que estão sujeitos, mas sobretudo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) por este tardar em atribuir-lhes atestado de residência, apesar de alguns deles se encontrarem há dois, três e até quatro anos em Portugal. É que a legalização é a sua única defesa contra a exploração.

Na delegação de Beja da Associação Solidariedade Imigrante (SOLIM), a presença de cidadãos africanos a pedir apoio “tem sido constante”, refere Alberto Matos, que coordena o trabalho de apoio aos imigrantes, na sua esmagadora maioria chegados à região para trabalhar na apanha da azeitona. Este responsável estima que a campanha de azeitona no olival intensivo e superintensivo mobilizaram cerca de 10 mil trabalhadores, na sua esmagadora maioria imigrantes que incluem um elevado número de naturais da Africa subsaariana, entre eles refugiados que atravessaram o Mediterrâneo e que ainda não possível quantificar.

“Chegam-nos por vezes desesperados para legalizar a sua situação em Portugal” porque só assim “muitos deles se conseguem libertar das redes de tráfico de mão-de-obra”, diz o delegado da SOLIM

O PÚBLICO falou com três cidadãos vindos da Guiné-Bissau. Dois deles entraram como turistas e um terceiro já atravessou o Mediterrâneo “três vezes”. Apresenta um visto de entrada em Catânia, na costa leste da Sicília. Está a tentar legalizar a sua situação.

Diz não compreender tanto obstáculo à sua legalização quando já desconta para a segurança social há quase três anos. Evita identificar-se. Receia que aconteça alguma coisa aos seus familiares pois veio através de uma rede de tráfico de mão-de-obra. “Há muitos refugiados e viram para aqui (Alentejo) trabalhar nas oliveiras”, assegura.  

Questionado sobre as razões que estão a impedir a legalização de muitos dos imigrantes que trabalham na apanha da azeitona, o SEF argumenta que, após a entrada em vigor da Lei 59

2017, “cabe aos requerentes solicitar a abertura de um procedimento administrativo para a obtenção do atestado de residência”, o que aparentemente poderá facilitar e tornar mais célere a legalização. 

Contudo, não deixa de sublinhar que a “melhoria do atendimento ao público e da celeridade na instrução processual fazem parte das prioridades do SEF” mas, para alcançar este objectivo, aguarda pela “introdução de novas ferramentas tecnológicas” para “efectuar a verificação das manifestações de interesse submetidas ao abrigo no novo articulado da Lei, bem como todas as que se encontravam pendentes ao abrigo da anterior legislação”.

Alberto Matos diz que “falta descentralizar e tornar menos burocráticos” os procedimentos do SEF tendo em conta “os dramas humanos que se presenciam todos os dias”. Refere que a actual situação “é vantajosa para muita gente” pois sabe que a mão-de-obra imigrante ilegal “é muito mais barata” por estar nas mãos “das máfias” que a explora.

Os trabalhadores da Guiné Bissau asseguram que, para além da luta pela legalização, o imigrante não tem condições para reivindicar nem para reclamar o que lhe é devido. “Nunca há data certa para recebermos o salário”. E quando atrasa, “o patrão não atende o telefone”. Além disso, recebem o ordenado mínimo anterior ao que se encontra em vigor.

“Nós fazemos descontos para a segurança social mas ele (o patrão) não faz”, acusa um trabalhador, dizendo que tem 27 meses de descontos mas não tem um atestado de residência.

O regime laboral obriga-o a levantar-se às 5h e só pára às 19h, com 30 minutos para almoço. A situação acabada de descrever, atinge outros cidadãos africanos e também indianos, com quem o PÚBLICO falou na Herdade do Curral a pouco mais de seis quilómetros da cidade de Beja.

“Somos tratados como animais”, é o primeiro desabafo. Estão alojados em contentores no meio do olival, com muita lama e uma linha de água contaminada com as águas residuais resultantes da presença de quase uma centena de pessoas. O lixo está acumulado a um canto.

O encarregado deste grupo de trabalhadores é português e diz que cada trabalhador ganha 4,16 à hora. Vários trabalhadores denunciaram o pagamento de 75 euros de alojamento, num contentor que é partilhado com mais duas pessoas e 30 euros pelo transporte.

Se chover não ganham e por vezes são colocados de castigo “se refilarem”, acrescenta um deles.

Concluída a campanha da azeitona, estes trabalhadores vão apanhar framboesa no Algarve. Outros ficarão na poda das oliveiras. Nas mesmas condições sub-humanas.

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