Ingvar Kamprad “é um dos grandes promotores da cultura do design”
Com o 'monte-você-mesmo', o fundador da marca Ikea passou para o cliente esse custo da produção.
Há quase um ano, a Balenciaga, uma das etiquetas de moda mais influentes do mundo, lançou uma mala inspirada nos famosos sacos azuis do Ikea. Mas enquanto os icónicos Frakta custam 70 cêntimos nas lojas de Alfragide ou Braga, já os novos sacos Balenciaga foram lançados no mercado a mais de dois mil euros.
Apesar do gigante do mobiliário sueco se ter queixado da inspiração, não deixou de haver quem se tenha deliciado com a irónica homenagem: finalmente o que o Ikea fazia há anos, inspirando-se em design alheio para lançar peças renovadas, tinha batido à porta da marca global. Um dos maiores sucessos do Ikea, o banco Frosta, lançado em 1992, é uma cópia-homenagem com quatro pernas de um banco de Alvar Aalto, o banco 60, desenhado em 1933 com três pernas.
A “homenagem-cópia” da Balenciaga serve aqui apenas para mostrar quão influente e omnipresente a empresa de mobiliário sueco se tornou nos últimos anos. E se o Ikea “democratizou o design”, também não há dúvida que sempre enervou um pouco o mundo do design, como explica aqui o designer português Marco Sousa Santos, no dia em que desapareceu Ingvar Kamprad, o fundador da marca. “É verdade que eles reinventam algumas peças e transformam-nas em produtos de massas. Mas só fazem isso pontualmente. Eles têm uma super-equipa de designers e o grosso do trabalho de design é deles”, explica Marco Sousa Santos, que também é professor de Design na Escola de Belas-Artes de Lisboa.
O cliente é que monta
“Sou grande admirador de toda a lógica de design e também comercial do Ikea. Não tenho nada contra o Ikea e costumo dizer aos meus alunos para irem às lojas onde podem aprender imenso sobre design”, afirma Sousa Santos. Ingvar Kamprad, acrescenta, "é um dos grandes promotores da cultura do design a nível mundial": “Ele inventou o modelo do 'monte-você-mesmo'. Através do design, apurou essa lógica nos seus móveis, com instruções de montagem muito bem feitas, conseguindo democratizar o design. Os produtos são feitos em partes e é o cliente final que os monta. O grande milagre do Ikea é passar para o público a montagem dos seus móveis, reduzindo assim substancialmente o custo das peças.” Por exemplo, o banco Frosta, feito em contraplacado de bétula, custa 8,99 euros.
O estilo do Ikea não é propriamente escandinavo, defende Marco Sousa Santos, sobre o adjectivo mais comumente aplicado ao design da marca sueca. “São móveis bem desenhados, elegantes e com um design aceitável. Chamar-lhe-ia mais um design europeu, com materiais naturais, onde a forma está ligada à função.” Este é um ideário modernista, que é mais amplo do que a definição de design escandinavo.
Nas primeiras casas da maioria dos jovens portugueses de classe média, é fácil encontrar alguns dos maiores sucessos da marca, como as cadeiras Poäng, o sofá Klippan, a mesa de café Lack ou a eterna estante Billy. Com as suas cinco lojas, Portugal tem uma alta taxa de penetração da marca, defende o crítico de design Frederico Duarte. “Os produtos estão por todo o lado, desde os talheres dos restaurantes no Chiado, às novelas da televisão e já apareceram mesmo nos cenários do Teatro Nacional de São Carlos.”
Para Frederico Duarte, o Ikea “é a conclusão lógica da utopia do design moderno: bens de consumo bem desenhados, acessíveis e acima de tudo práticos”. E, sublinha, "não produz só produtos isolados, mas sistemas de produtos, como as cozinhas ou as estantes Billy".
Depois há que perceber que a marca nasceu na Suécia no século passado: “Há uma dimensão igualitária do design sueco, social-democrata, que foi promovida pelo Estado sueco ao longo do século XX através de várias exposições. Isso influenciou Ingvar Kamprad directamente. O Ikea traz essa componente ideológica para dentro de casa”. Nessa democratização do habitar, não há coisas extremamente luxuosas, nem apenas utilitárias, afirmando-se também a flexibilização dos espaços contra uma hierarquização excessiva da casa burguesa. “Nos catálogos do Ikea, vemos a influência dessa cultura material, que procura promover a ideia de uma ‘casa bela’ através do design moderno, ao mesmo tempo que defende a construção de um colectivo, de um ideal de povo, por oposição à distinção do indivíduo.”