Pela segunda vez, o Relógio do Apocalipse ficou a dois minutos da meia-noite

As armas nucleares e as alterações climáticas foram os principais motivos apontados esta quinta-feira para que este relógio metafórico se aproximasse mais 30 segundos da meia-noite do que em 2017.

Relógio do Apocalipse: a quantos minutos estamos do fim de tudo? Vera Moutinho

O Relógio do Apocalipse voltou a ser acertado pelos especialistas da revista Bulletin of the Atomic Scientists: está agora a dois minutos da meia-noite, o que não acontecia desde 1953. Os principais motivos apontados esta quinta-feira, em conferência de imprensa na cidade de Washington (às 15 horas de Lisboa), para que o relógio marcasse essa hora em relação a 2017 foram as armas nucleares e o risco de uma corrida ao armamento nuclear, com os Estados Unidos, a Rússia e a Coreia do Norte no centro da questão. Mas as alterações climáticas, com as suas manifestações em ondas de calor, furacões e incêndios florestais, assim como os possíveis usos indevidos das biotecnologias e da inteligência artificial, também contribuíram.

No ano passado, este relógio metafórico tinha ficado a dois minutos e meio do fim, tendo sido assim adiantado, pela primeira vez, 30 segundos. Este acerto de 2018 face a 2017 é a 24.ª vez que se acerta o relógio.

Este relógio é uma metáfora para alertar a humanidade se está mais perto ou mais longe de se autodestruir com tecnologias e com os seus actos. A meia-noite é a metáfora para o fim do mundo. Os “ponteiros” deste relógio são movimentados por um painel de 15 cientistas especialistas em desarmamento, energia nuclear ou alterações climáticas, e é liderado por Lynn Eden, investigadora no Centro para Cooperação e Segurança Internacional da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Depois, ainda há um painel de cientistas que inclui os físicos britânicos Stephen Hawking ou Martin Rees e investigadores já laureados com o Prémio Nobel. Todos avaliam os acontecimentos do ano anterior e apontam o quão próximo estamos da autodestruição do planeta. É como um médico que faz o diagnóstico ao seu doente, lê-se no site da revista Bulletin of the Atomic Scientists.

Mais uma vez, na conferência de imprensa deste ano, lá estava o relógio tapado pelo já conhecido pano preto. Rachel Bronson, directora executiva do Bulletin, encarregou-se de nos preparar para o que aí vinha e começou por dizer que este relógio “é um dos símbolos mais reconhecidos do mundo”, porque representa a segurança do futuro da civilização face ao ano passado e às décadas anteriores. E lembrou que foi em 1953, em plena Guerra Fria, que estivemos mais próximos da meia-noite. Destacava então que hoje os maiores perigos estão relacionados com o armamento nuclear. E acrescentava: “A inovação tecnológica, a biotecnologia e a inteligência artificial são também um desafio para a nossa sociedade.” E, depois, anunciou a decisão.

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O Relógio do Apocalipse a ser destapado esta quinta-feira na cidade de Washington JIM LO SCALZO/EPA/Lusa

Uma das razões mais citadas pelos membros do painel presentes durante anúncio foi mesmo a ameaça nuclear. “Na discussão deste ano, as questões nucleares voltaram a estar no centro do palco”, disse Rachel Bronson. E, mais propriamente, no centro desse palco estão a Coreia do Norte, os Estados Unidos e a Rússia. “O programa de armas nucleares da Coreia do Norte teve progressos assinaláveis em 2017, aumentando os riscos para o próprio país, para os outros países na região e para os Estados Unidos”, lê-se no documento as decisões do painel. E tem desafiado as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, fazendo testes nucleares. O receio é que os mísseis balísticos intercontinentais, que a Coreia do Norte tem testado, atinjam um dia os Estados Unidos, com uma ogiva nuclear.

Acreditar nos media e na ciência

Além disso, os Estados Unidos e a Rússia têm desrespeitado o Tratado sobre Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF), um acordo entre esses dois países nos anos 80, que previa que fossem eliminados os mísseis balísticos, como os nucleares, com alcance entre 500 e 5500 quilómetros. Os cientistas destacaram agora que os dois países têm actualizado o seu arsenal nuclear e que “têm fugido” ao controlo da negociação sobre armas nucleares. As tensões no mar do Sul da China também têm aumentando e o Paquistão e a Índia têm continuado a aumentar o seu arsenal de armas nucleares. “Mais do que em qualquer outro tempo, estamos na idade nuclear”, considerou na conferência de imprensa Sivan Kartha, do Instituto do Ambiente de Estocolmo (Suécia).

As alterações climáticas também estiveram em cima da mesa. “O ano de 2017 foi o mais quente de que há registo que não teve o impulso do fenómeno do El Niño”, destacou ainda Sivan Kartha. “As Caraíbas sofreram uma temporada de destruição histórica com poderosos furacões, houve ondas de calor extremas através do globo, a calote de gelo no Árctico atingiu o menor pico no Inverno, e os Estados Unidos tiveram fogos florestais devastadores”, exemplificou Sivan Kartha. Em sentido contrário, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciava a retirada do seu país do Acordo de Paris, destinado a controlar as emissões de gases com efeito de estufa. Mesmo assim, aquele cientista destacou a atitude positiva do Presidente francês Emmanuel Macron por querer aplicar “planos verdes”. “Felizmente, outros países têm reafirmado o seu compromisso em agir contra as alterações climáticas.”

Houve também uma chamada de atenção para “a perda de confiança nas instituições públicas, nos ‘media’, na ciência e nos seus factos.” No documento, há ainda uma referência tanto aos aspectos positivos como aos negativos das novas tecnologias, como é o caso dos avanços na biologia sintética e da técnica de edição genética CRISPR-Cas9.

“Este é um tempo perigoso, mas o perigo somos nós que o criamos. A humanidade inventou o apocalipse e, certamente, também pode inventar métodos de o controlar e eliminar”, considerou Lawrence Krauss, professor de física na Universidade Estadual do Arizona (EUA), destacando que Donald Trump não tem um conselheiro científico, ao contrário da Administração de Barack Obama. “O futuro está nas nossas mãos”, apelou.

“Não foi uma decisão fácil”, resumiu Rachel Bronson, acrescentando que agora é importante o caminho que fizermos para a frente. Realçando esta ideia, Sharon Squassoni, da Universidade de George Washington (EUA), quis ser uma voz da esperança: “Devemos dialogar com a Coreia do Norte. Temos de criar canais de comunicação.”

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As armas nucleares e as alterações climáticas foram as principais razões para os ponteiros do relógio se moverem em direcção à meia-noite JIM LO SCALZO/EPA/Lusa

No documento de fundamentação dos “dois minutos”, os cientistas deixam igualmente “conselhos” aos Estados Unidos à Rússia: que discutam e adoptem medidas que permitam a paz militar e voltem a cumprir o INF. Pedem ainda que os governos de todo o mundo redobrem os esforços para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, e que a comunidade internacional estabeleça novos protocolos para penalizar o uso indevido das tecnologias de informação, para que se restabeleça a confiança nas instituições públicas, nos media, na ciência e nos factos objectivos.

Já no ano passado, em relação a 2016, o relógio ficou a dois minutos e meio do fim por causa das armas nucleares, da eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, das alterações climáticas, dos testes nucleares na Coreia do Norte ou da guerra na Síria. Na altura, Rachel Bronson apontou a importância deste relógio: “Para marcar o 70.º aniversário do Relógio do Apocalipse, a deliberação deste ano é muito mais urgente do que o normal.”

O que se foi passado ao longo de 2017 deixava antever que o relógio não iria ser atrasado. “Temos tecnologias, biotecnologias e cibertecnologias que avançam muito rapidamente e que podem ser mal usadas, com intenção ou por engano, e causar catástrofes graves”, disse recentemente Martin Rees em entrevista ao PÚBLICO a propósito deste relógio. “O mundo está a ficar um local mais difícil de governar e há mais coisas com que temos de nos preocupar.”

Criado em 1947, acertado em 1949

O Relógio do Apocalipse foi criado em 1947 para nos alertar para os perigos nucleares. Na altura, ficou a sete minutos da meia-noite, porque só tinham passado dois anos desde o lançamento das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui, no Japão. A “Bulletin of the Atomic Scientists”, a revista que acerta este relógio, surgiu em 1945 e foi criada por cientistas do Projecto Manhattan, dirigido por Robert Oppenheimer, e que desenvolveu as bombas nucleares lançadas sobre Hiroxima e Nagasáqui. Além de Robert Oppenheimer, o painel de cientistas foi criado por Albert Einstein e contou com nomes como Leo Szilard, Edward Teller, Robert Wilson, Harold Urey ou Arthur C. Clarke, que não queriam ficar indiferentes às consequências da utilização da energia nuclear.

Este relógio metafórico foi acertado pela primeira vez em 1949 (não é acertado todos os anos), tendo ficado então a três minutos da meia-noite. Nesse ano, o Presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, anunciava que os soviéticos estavam a fazer os primeiros testes nucleares. Em 1953, ficou ainda mais perto da meia-noite: só a dois minutos. Vivia-se a Guerra Fria e os Estados Unidos e a União Soviética tinham feito os primeiros testes termonucleares.

Nos anos seguintes foi variando de posição, voltando em 1984 a ficar a três minutos do fim, pois os diálogos entre os EUA e a União Soviética estavam a ficar mais tensos outra vez. Contudo, em 1991 chegou a ficar a 17 minutos da meia-noite. Porque o muro de Berlim caía e aproximava-se o fim da Guerra Fria. Os Estados Unidos e a União Soviética assinavam também o Tratado para a Redução de Armas Estratégicas, o primeiro acordo bilateral para redução das armas nucleares.

Depois disso, foi havendo (com algumas excepções) uma contagem decrescente até ao fim. Em 2007 houve, pela primeira vez, uma decisão tendo por base as alterações climáticas, ficando-se a cinco minutos da meia-noite. E, em 2015 e 2016, ficou-se a três minutos do final devido também ao descontrolo das alterações climáticas e, entre outras ameaças, às armas nucleares.

Há ainda razões para dizer que a música Two Minutes To Midnight (Dois Minutos para a Meia-Noite), da banda Iron Maiden, criada em 1984 a propósito deste relógio metafórico, voltou a estar actual. 

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