Governo justifica silêncio sobre “apagão” de offshores com inquérito do Ministério Público
Fisco age, para já, até ao limite em que “não seja condicionado pela actuação” da investigação judicial.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, invoca o inquérito aberto no Ministério Público ao caso do “apagão” de dados de 10.000 milhões de euros de transferências para offshores para justificar o facto de o Governo não clarificar se, e em que termos, o fisco está a dar andamento a um despacho de Junho que determina que a autoridade tributária apure as eventuais responsabilidades dos serviços do fisco.
A justificação foi apresentada no Parlamento pelo governante em reacção a uma notícia do PÚBLICO desta quarta-feira, dando conta de que o Governo, depois de em Junho ter pedido esclarecimentos ao fisco, nada diz sobre o que está em curso internamente para “esclarecer aspectos relevantes para a descoberta da verdade”, como determinara por despacho o anterior secretário de Estado Fernando Rocha Andrade, antecessor de Mendonça Mendes na equipa de Mário Centeno.
O governante falava numa audição parlamentar à qual foi chamado a prestar esclarecimentos sobre um assunto distinto que nada tem a ver com este caso, mas Mendonça Mendes acabou por falar do tema, ao referir que nem sempre pode disponibilizar toda a informação a que tem acesso.
“É verdade que, às vezes, temos de nos remeter a algum silêncio”, admitiu, sobre o caso do apagão, referindo que, por existir “um inquérito criminal”, há um condicionamento da actuação da própria administração fiscal. O que o Governo faz, garantiu, “é respeitar essa articulação que necessariamente existe” entre a administração fiscal e o Ministério Público. Há algo mais que admitiu ser papel do Ministério das Finanças: determinar que “a AT possa fazer tudo aquilo que não seja condicionado pela actuação do órgão criminal”. Este, disse, é “um exemplo daquilo que é o condicionamento” da divulgação pública dos actos do Governo. Por clarificar continua, no entanto, se isso significa estar já a correr internamente um inquérito de auditoria.
“Eu não quero esconder nada do Parlamento”, disse Mendonça Mendes a seguir ao seu aparte durante a audição parlamentar, retomando já as explicações que o levaram ao Parlamento nesta quarta-feira – responder aos deputados sobre o processo de decisão que levou a autoridade tributária a dar razão a uma reclamação da Brisa a propósito de uma liquidação de cerca de 125 milhões de euros.
Até se pronunciar nesta quarta-feira sobre o “apagão”, o Ministério das Finanças não deu qualquer resposta às sucessivas perguntas colocadas pelo PÚBLICO em Junho, Julho, Setembro e Dezembro passados.
O caso tem a ver com os problemas identificados no controlo das transferências de capital feitas para contas offshore a partir de instituições financeiras e de crédito sediadas em Portugal. Foi no final de Outubro e princípios de Novembro de 2016 que se descobriu no fisco que os dados de 20 declarações enviadas às Finanças pelos bancos tinham sido processados parcelarmente, deixando de fora da base de dados central informação relativamente a 10.000 milhões de euros. A larga maioria (80%), num total de 7917 milhões de euros, são fluxos enviados a partir de contas sediadas no BES (em 2012, 2013 e 2014).
Ainda antes de o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa abrir um inquérito (em Agosto), mas quando o Ministério Público já estava a recolher elementos sobre a situação e os remetera ao DCIAP (o departamento dedicado aos crimes de maior complexidade) e a Inspecção-geral de Finanças (IGF) acabara de terminar uma auditoria, Rocha Andrade emite e torna público a 27 de Junho um despacho em que pede que o fisco clarifique uma série de questões que considerou não terem ficado esclarecidas no relatório da IGF.
Constata que a auditoria não reproduziu “informaticamente as circunstâncias em que o problema informático surgiu”, não confirmou se e quem poderá ter alterado “por dolo ou negligência” a parametrização da tecnologia usada para processar os dados das transferências, e não explicou o facto de o erro afectar “especialmente algumas instituições” financeiras e manifestar-se “de forma diversa” ao longo do tempo.
O despacho determinava que a autoridade tributária apurasse a “existência de responsabilidade dos serviços e/ou das empresas informáticas contratadas”. E admitia que se procedessem a novas perícias informáticas e que pudessem ser contratados serviços externos para tentar recuperar dados em falta.