Ronaldinho Gaúcho, felicidade escrita nas botas
Foi o irmão, Roberto Assis, que anunciou o final oficial da carreira do grande craque brasileiro, que já não fazia um jogo oficial desde 2015.
“Ele parou. Acabou.” De forma simples, em três palavras, Roberto Assis revelou aquilo que o mundo já tinha adivinhado: Ronaldinho Gaúcho vai deixar de ser futebolista profissional. Já não fazia jogos competitivos desde 2015, e andava por todo o lado a fazer jogos de exibição, a mostrar o seu sorriso gigante, a fazer a saudação surfista, a fazer habilidades geniais, no fundo aquilo que sempre fez quando o jogo era a contar, no Grémio, no Barcelona, no AC Milan, no Atlético Mineiro, na selecção brasileira, mas sem ganhar campeonatos do mundo, Ligas dos Campeões e Bolas de Ouro. Aos 37 anos vai continuar a ser feliz, apenas isso.
Era isso que o pai lhe dizia. “Jogar livre e apenas brincar com a bola”, contava Ronaldinho num texto assinado por si no “Players Tribune”, uma “Carta Para Mim Mesmo Quando Jovem”, dirigida ao Ronaldinho de oito anos que tinha acabado de perder o pai, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Essa criança de Porto Alegre viria a tornar-se um dos maiores jogadores de sempre, talvez o maior artista e malabarista que o futebol alguma vez conheceu, com os títulos suficientes para guardar o seu lugar na história, mas longe daquilo que o seu talento natural exigia.
Claro que haverá uma despedida, ou melhor, uma digressão de despedida, e nem podia ser de outra maneira, tal o impacto global de Ronaldinho. “Vamos fazer algo bem grande, após a Copa da Rússia, provavelmente em Agosto. Faremos vários eventos pelo Brasil, Europa, Ásia. E estamos a combinar um jogo com a selecção brasileira”, anunciou Roberto Assis, o irmão dez anos mais velho, também ele um antigo futebolista (que jogou no Sporting e no Estrela da Amadora, mas já lá vamos), e que renunciou à carreira para ser o empresário de Dinho. Mais que irmãos ou empresário e cliente, a relação entre os dois foi de pai e filho.
Ronaldinho foi um artista feliz, desde Porto Alegre, onde nasceu, até à praia algures no Brasil onde joga futevólei com os amigos (como mostrou há poucos dias no Twitter). Era de uma família de futebol. O pai era fanático do Grémio, ao ponto de trabalhar de borla ao fim-de-semana como segurança do clube, e o irmão Roberto despontava nas camadas jovens do clube gaúcho. Ronaldinho jogava na rua, ou com os amigos, ou com o cão, o Bombom, que irá ser a primeira “vítima” dos seus dribles. Começou a jogar futebol na praia e andou pelo futsal, e aos 13 anos já era assunto nacional, por ter marcado 23 golos num jogo em que a sua equipa de miúdos do Grémio ganhou por 23-0.
Nesta altura, o irmão Roberto andava pelo futebol europeu, primeiro no Sion, depois no Sporting, mais tarde no Estrela da Amadora. E não, Ronaldinho Gaúcho nunca esteve perto de ir para as camadas jovens do clube da Reboleira - Assis já colocou um ponto final nessa lenda. Onde Ronaldinho brilhava era no Grémio, clube pelo qual se estreou em 1998, num jogo da Libertadores. Em três épocas no Grémio, Ronaldinho, que não era ponta-de-lança, marcou 72 golos, e mostrou ser um “sem-vergonha” no campo, não olhando a estatutos para humilhar adversários – como fez com Dunga no jogo contra o Internacional, fintando aquele que tinha sido o capitão do Brasil campeão de 1994, passando-lhe a bola por cima da cabeça.
Não foi para a Premier League porque não tinha internacionalizações suficientes, aterrou no Paris Saint-Germain, onde passou duas épocas de aprendizagem na Europa. Pelo meio, foi campeão mundial em 2002 com o Brasil de Scolari e no ataque dos “R”, sem Romário, mas com Rivaldo e Ronaldo “Fenómeno” – marcou dois golos e fez parte da equipa do torneio. De Paris foi em 2003 para a Catalunha onde seria figura maior no renascimento do Barcelona, com Joan Laporta na presidência e Frank Rijkaard no banco – conta-se que não foi para o Real Madrid porque os “merengues” não queriam um jogador com os dentes tortos, preferindo antes contratar David Beckham.
Mas o Barcelona nada se importou com o sorriso imperfeito de Dinho e, durante cinco temporadas, foi o maior em Camp Nou junto a “estrelas” como Samuel Eto’o, Deco (tratavam-se um ao outro por Juvenal) ou Thierry Henry e assistiu de perto aos primeiros passos de gente como Xavi Hernández, Andrés Iniesta e um jovem baixinho chamado Lionel Messi. Ronaldinho foi muito feliz no Barcelona sobretudo nos três primeiros anos – uma Liga dos Campeões, dois títulos de campeão, uma Bola de Ouro, dois prémios de melhor da FIFA -, mas o seu gosto pela “balada” tiraram-nos das boas graças catalãs. Isso e a emergência inevitável de Messi, que seria (é) o seu herdeiro.
Não teve espaço no Barcelona de Guardiola, foi para o Ac Milan, onde ainda contribuiu (pouco) para um título na Série A, em 2011, segundo depois para o Flamengo, onde voltou a ser, durante um ano, o Ronaldinho de antigamente – mas passou a ser odiado pelo Grémio, que também o quis contratar, ao ponto de o museu do clube gaúcho não ter qualquer referência àquele que será o melhor jogador da sua história. Também ficou inquieto no Flamengo e passou para o Atlético Mineiro, onde foi fundamental para uma histórica conquista da Libertadores, completando algo que mais ninguém conseguiu reproduzir – o único a ganhar a Libertadores, o Mundial, a Liga dos Campeões e a Bola de Ouro.
Os seus últimos clubes são notas de rodapé – Querétaro, no México, e Fluminense, no Brasil – na carreira de Ronaldinho Gaúcho, o jogador que fazia o que queria com a bola e que tinha um sorriso contagiante para colegas e adversários. O que ele fez daria para encher dezenas de horas de melhores momentos com fintas, grandes golos, grandes passes. Difícil seria escolher um momento, mas deixamos uma sugestão, num vídeo de publicidade da Nike, em que Ronaldinho experimenta um par de chuteiras novas no Mini Estadi do Barcelona. O desafio é acertar na trave de propósito, Ronaldinho começa a dar toques na bola, e, de fora da área, acerta uma vez na trave, acerta duas, acerta três, sempre de longe e sem deixar a bola cair no chão. Isto é Ronaldinho. Não há consenso sobre se o vídeo é verdadeiro, mas só o facto de se admitir que alguém consegue fazer isto é o suficiente.