Discussão sobre transparência deve esperar por Rio

A eleição de um novo líder no PSD e a apresentação de novos projectos sobre transparência em cargos públicos poderá fazer prolongar o debate na especialidade até Março.

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Rui Gaudêncio

A votação em especialidade dos 15 diplomas que têm sido discutidos na especialidade na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência em Funções Públicas da Assembleia da República, que estava prevista para começar esta quarta-feira, poderá ser adiada. Em causa está o facto de o PS ter apresentado na segunda-feira mais três projectos de lei um para regulamentar a actividade de lobby, outro sobre a criação de um código de conduta para deputados e um terceiro relativa ao alargamento das incompatibilidades. Certo é que, com as novas propostas socialistas, o debate na especialidade em comissão poderá prolongar-se até Março.

Este adiamento poderá surgir também para dar tempo ao PSD para confirmar a sua posição sobre os projectos já em comissão, bem como para se pronunciar sobre os novos diplomas apresentados pela bancada socialista. A eleição do novo presidente do PSD vem alterar os timings do trabalho parlamentar, sobretudo quando em causa estão assuntos que são particularmente caros a Rui Rio, pelo que haverá que dar espaço para que o líder social-democrata possa avaliar o que está em jogo.

Caberá à Conferência de Líderes parlamentares decidir, nesta quarta-feira, se os três novos projectos do PS têm de ser formalmente aprovados na generalidade pelo plenário de deputados ou se podem juntar-se ao debate na especialidade e entrarem directamente na Comissão da Transparência sem passarem pelo hemiciclo. Se assim for, é natural que a reunião da comissão acabe por ser dominada pela apresentação dos novos projectos, bem como pela sistematização do que estava já a ser debatido.

A importância de conseguir negociar com o PSD as alterações em matéria de ética na vida pública está a ser ponderada pelo PS. Sobretudo em questões historicamente caras ao partido liderado por Rui Rio, como é o caso do enriquecimento ilícito, aprovado na última legislatura pelo Parlamento, mas chumbado no crivo do Tribunal Constitucional. Os socialistas esperam que a solução de “enriquecimento não declarado”, agora apresentada, possa vir a reunir consenso. E o PÚBLICO sabe que da parte do PSD há abertura para esse consenso, pelo que não apresentaram nenhuma proposta relativa ao enriquecimento ilícito.

De qualquer forma, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, nenhuma das alterações legislativas em causa obrigam a uma aprovação por maioria reforçada, ou seja, por dois terços dos deputados e o PS pode aprovar alterações só com os seus parceiros de aliança parlamentar à sua esquerda: BE, PCP e PEV. Apesar disso, há da parte do PS interesse em que as alterações suscitem o mais amplo consenso, mesmo que demorem mais a ser aprovadas.

Ainda que a intenção seja aprovar os diplomas relativos ao reforço da transparência na vida pública na sessão legislativa em curso, ainda não há certezas sobre os timings da entrada em vigor da nova legislação. Parte dela, nomeadamente o código de conduta dos deputados ou a instituição da obrigatoriedade dos magistrados (juízes e procuradores) entregarem declarações sobre o seu património e rendimentos, uma vez que são titulares de um órgão do Estado, pode entrar em vigor a curto prazo. Isto, porque, de acordo com os responsáveis parlamentares contactados pelo PÚBLICO, o consenso em torno desta questão é bastante alargado e mereceu mesmo a aceitação dos conselhos superiores das magistraturas, assim como da procuradora-Geral da República.

Já as alterações que criam regras novas para o exercício do mandato de deputado, em que estão em causa a introdução de sanções — por exemplo, a criminalização da não entrega de declarações de riqueza, que pode levar à perda de mandato — deverão entrar em vigor só na próxima legislatura. A razão, de acordo com os argumentos avançados ao PÚBLICO por responsáveis pelo processo legislativo em curso, prende-se com o facto de os actuais deputados terem assumido o mandato com um quadro de condições e de regras cuja alteração, a meio do mandato, não estaria de acordo com os princípios constitucionais nem com a prática parlamentar democrática e republicana.

Uma outra proposta do PS prevê que todos os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos que sejam gestores de empresas ou tenham participações em qualquer tipo de sociedade deixam de poder participar em qualquer concurso ou processo de contratação públicos ou de neles intervir como consultores, especialistas, técnicos mediadores ou de qualquer outra forma. Isto é extensível às sociedades em que detenham mais de 10% do capital, sozinhos ou somados à participação do cônjuge.

Em matéria de regulamentação da actividade de lobbying, PSD e PCP não subscreveram nenhum projecto de lei. Embora tenham uma proposta pronta sobre esta matéria, os sociais-democratas preferem esperar pela nova liderança do partido para discutir o tema. Já o PCP, considera que este não é o tempo para se pronunciar sobre o assunto. “Ainda é cedo para tomarmos uma posição sobre essa matéria”, disse ao PÚBLICO o deputado António Filipe, revelando que o partido entregou na comissão três projectos de lei, tendo um deles a ver com o enriquecimento injustificado. Os outros dois referem-se a alterações: uma relativa ao Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos; e a outra prende-se com o Estatuto dos Deputados — trata-se da 12.ª alteração.

O CDS apresentou três projectos de lei alusivos ao Estatuto de Deputado, ao regime de incompatibilidades e impedimentos e ao registo de interesses de lobbying. A deputada democrata-cristã Vânia Dias da Silva, que é coordenadora da Comissão Eventual de Transparência, alude à complexidade do diploma que obrigou a uma sistematização das propostas dos partidos, com excepção do PEV e do PAN que não tinham propostas em cima da mesa.

Bloco bateu-se por Entidade da Transparência

O BE quer reforçar a fiscalização das declarações de rendimentos e também do património dos altos cargos públicos e dos cargos políticos e para isso propõe a criação (também defendida pelo PS) de uma Entidade da Transparência, sob a alçada do Tribunal Constitucional. “Essa entidade dava músculo à fiscalização”, afirma o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, frisando que nem o Presidente da República fica de fora do escrutínio.

“A entidade da transparência pode actuar sobre os detentores de altos cargos públicos ou políticos, aplicando-lhes coimas, instruindo processos para enviar para o Ministério Público para que investigue a existência de algum tipo de fraude e, se houver, pode haver perda de mandato”, explica. E porque é de transparência que se trata, o BE propõe que o registo de prendas institucionais, atribuídas aos altos cargos públicos fique disponível no site de cada instituição e, caso o valor da oferta seja superior a 150 euros, a oferta fique na posse da empresa.

Considerando “insuficiente” o código de conduta proposto pelo PS com o objectivo de reforçar a transparência na política, o BE vai mais longe e defende a exclusividade para os parlamentares.

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