Quando um líder de transição não o é
Como se faz um líder que conduza o PSD de novo ao Governo? Eleito na oposição, o presidente do PSD tem batalhas pela frente, a maior delas, as legislativas de 2019. O P2 analisa as condições em que, mesmo que não ganhe a Costa, poderá sobreviver até chegar a primeiro-ministro.
No dia seguinte à eleição do novo presidente do PSD, o desafio que coloca ao ungido nas eleições directas pelos militantes é o de ser capaz de fazer o partido atravessar o “Mar Vermelho” de uma eventual derrota nas legislativas de 2019 e, por tempo indeterminado, conduzi-lo pelo deserto da oposição até à terra prometida do regresso ao exercício de Governo.
Não existe uma resposta prévia e fechada que permita garantir, neste momento, se o escolhido pelos militantes do PSD tem as características e reunirá as condições para cumprir o papel messiânico que é dele esperado pelo partido. Certeza apenas existe uma: todos os líderes políticos são de transição, ninguém é eterno. Mas as variáveis que influenciarão a transitoriedade ou longevidade do mandato são múltiplas e diversas e não dependem apenas do próprio. Até porque falamos de política, um mundo em que basta dois meses para as circunstâncias mudarem radicalmente.
Há assim que contar com o factor de imprevisibilidade da política para analisar prospectivamente o futuro do PSD. E aqui contam, à partida, as condições endógenas ao presidente do PSD. “Vai depender do tipo de liderança e da personalidade do líder”, considera o antigo chefe do partido Luís Marques Mendes. Ou seja, da sua resiliência pessoal e política.
O contraponto histórico é evidente, quando se fala em resiliência política no PSD. Há na história deste partido um líder que perdeu as legislativas em 1999, resistiu, esperou e acabou por ser primeiro-ministro em 2002: José Manuel Durão Barroso. Para não falar de Cavaco Silva, que, embora nunca tenha perdido legislativas, quando ganhou o Congresso da Figueira da Foz, em 1985, foi olhado como um líder fraco e o seu governo minoritário sem futuro. “Mesmo quando Cavaco ganhou pela primeira vez, diziam que era por oito meses e foi dez anos”, recorda José Arantes, que trabalhou na comunicação política destes dois líderes.
Arantes sublinha o factor da imprevisibilidade do futuro no momento da eleição de um líder por um partido. “A situação de um governo pode parecer sólida e ser frágil, assim como o líder do PSD pode parecer frágil e ser sólido”, sublinha o antigo assessor de Cavaco e de Barroso, para concluir: “O desafio pode ser muito simples, o de fazer acreditar que o PSD pode chegar ao Governo e ser o seu pivot. Isso se a situação do actual Governo se fragilizar.”
O poder dá carisma
Ainda no plano estritamente respeitante ao PSD e ao desafio que se coloca ao seu novo presidente, José Arantes avisa que os líderes são como os melões, só em funções se revelam. “Os líderes crescem quando chegam lá, o carisma de um líder surge de facto quando ele é primeiro-ministro”, garante. “Os lugares fazem o carisma. As características têm de estar lá, o político tem de ter estofo, mas é o exercício do poder que dá condições para revelar o carisma.” Há exemplos disso em Portugal e no estrangeiro. António Guterres foi alcunhado por Vasco Pulido Valente de “picareta falante” antes de ganhar as eleições de 1995. Em Espanha, o líder do PP José Maria Aznar era visto como alguém que nunca ganharia nada porque era baixote e tinha um bigode ridículo.
Uma das condicionantes com que o novo líder do PSD terá de lidar é a nova forma de fazer política hoje, defende Feliciano Barreiras Duarte, antigo membro do núcleo duro de Durão Barroso e primeiro chefe de gabinete de Passos Coelho, tendo integrado os governos de ambos. “Hoje, os ciclos políticos são cada vez mais pequenos, quer no governo quer na oposição”, garante, sublinhando que para isso contribui o facto de “na comunicação social e nas redes sociais imperar o generalismo”. E quanto à reacção do eleitorado? “As pessoas exigem respostas mais rápidas, a política tem menos poder e os políticos são malvistos, factores que introduzem concorrência” nos partidos, sustenta Barreiras Duarte, concluindo que a tendência é para “o balanço de curto prazo” e para a generalização da ideia de que “o líder tem de ganhar eleições, caso contrário, vai para a rua”.
Mas a política em democracia é um jogo com vários players que se disputa no tabuleiro da realidade da sociedade portuguesa e do seu complexo quotidiano. Isto significa que muito do que será o futuro do PSD depende e construir-se-á em conjunto e em espelho com o futuro do seu principal oponente, o PS liderado pelo primeiro-ministro, António Costa.
Há uma situação em que claramente o líder agora eleito se verá obrigado a abandonar o poder partidário pelo seu próprio pé: se em 2019 houver uma maioria absoluta do PS. O mesmo caminho de abandono de liderança é apontado por diversas personalidades do PSD ouvidas pelo P2 se o PS tiver um resultado muito bom, de quase maioria absoluta.
Nesta análise, Marques Mendes introduz, porém, uma mescla de variantes eleitorais em que, mesmo sem ganhar eleições, o presidente do PSD se manterá em funções e não será um líder de transição. A primeira é a de um cenário em que “o PSD perde, mas evita a maioria absoluta e tem resultado confortável em torno dos 30%”, isto acompanhado por uma prestação do líder que consiga “afirmar-se com boas iniciativas”.
O antigo líder do PSD admite mesmo que, “se a prestação for boa, mesmo com mau resultado, gera ambiente favorável” à sua continuação. Um factor que funcionará em situação inversa. “Mesmo que tenha um resultado bom, mas se até às eleições não tiver uma prestação brilhante, não resiste.” Tudo depende assim em grande parte, segundo Marques Mendes, do desempenho do novo presidente do PSD: “Se tiver capacidade de se afirmar na componente afectiva e política, pode manter-se. Mas, se não for muito eficaz, não se manterá.”
Agarrar a oportunidade
A tese de Marques Mendes sobre a importância do desempenho pessoal do presidente do PSD é coincidente com o modo como José Arantes considera determinante o desempenho do lugar de líder da oposição. Regressando ao exemplo de Cavaco, José Arantes insiste: “Tenho presente o caso de Cavaco, que as pessoas pensavam que era por oito meses, a volatilidade é sempre grande.” E sublinha que “a tarefa é agarrar essa oportunidade, construir um discurso político que, sem rejeitar a visão optimista sobre o país, pois a situação está melhor, olhe para o futuro em vez de olhar para o passado”. O que significa que caberá ao presidente do PSD mostrar aos eleitores que é ele que tem melhores condições para construir um projecto para o país a partir da situação existente e que é ele quem pode dar-lhe melhor seguimento, consolidar e optimizar o presente.
Uma missão que para Marques Mendes tem de ser cumprida já em 2018. “O factor tempo é muito importante. Para o líder se afirmar a sério, vai ter de ser em 2018 e não em 2019”, garante, explicando: “Se chegar a Janeiro de 2019 e as sondagens estiverem como hoje, então o PSD já não vai contar para disputar as eleições, e António Costa até poderá ter maioria absoluta.” E Mendes deixa o alerta para o seu próprio partido. “Não é impossível António Costa ter maioria absoluta, se o PSD não melhorar em um ano nas sondagens; se o eleitorado vir que o partido não tem hipóteses de ganhar, os eleitores moderados escolherão o voto útil no PS, porque preferirão os socialistas sozinhos, ou seja, preferirão maioria absoluta do PS à aliança deste com o PCP e o BE.” E conclui a sua ideia reforçando que, se o novo presidente do PSD “não recuperar o partido em 2018, está perdido em 2019; é uma questão de timing apertado”.
A necessidade de o novo líder ser capaz de, logo de início, afirmar um projecto alternativo ao Governo de António Costa é salientada por todas as personalidades do PSD ouvidas pelo P2. Um projecto que terá de olhar para o futuro e mostrar dinâmica de vitória. É dos livros que os eleitores fazem escolhas a olhar para a frente e que apenas desistem de um líder quando percebem que ele não tem hipóteses de vencer. “Os militantes não mandam um líder fora por perder eleições, é por acharem que é inepto para as ganhar”, salientou um responsável do PSD ao P2.
O dia de Costa
O resto está também nos manuais e passa pela ideia de que a perspectiva do poder dá coesão aos partidos e capacidade de esperar pelo momento da sua conquista. Ora, a possibilidade de, mesmo perdendo eleições em 2019, o PSD poder ganhá-las a seguir é consensual entre os interlocutores do P2. “Mais tarde ou mais cedo, vai correr mal a António Costa, esse dia vai aparecer”, afirmou um dirigente do PSD, enquanto outro responsável histórico do partido sublinhou que “não é nítido que esta solução de esquerda possa dar ao eleitorado uma perspectiva de futuro”, já que “esta solução tem os genes do seu fim; a actual linha de acção e de convergência de esquerda não pode ser explorada eternamente”.
Uma outra personalidade do partido frisou mesmo que “a solução de Governo é inédita, o que dificulta prever como vai acabar”, e esse fim pode dar-se “com a explosão da esquerda, mas pode também acabar com o seu fortalecimento”. Chamando a atenção para factores internos da aliança de esquerda, salientou o exemplo de “o PCP poder estar em erosão”, apontando a vitória do PS em Almada como “um sinal”, já que “não é um problema conjuntural, é uma alteração sociológica dos eleitores de Almada”, pois “hoje são cada vez mais os jovens quadros que vão para ali viver, porque é caro viver em Lisboa”.
Ora, essa erosão eleitoral “preocupa o PCP e pode levar este partido a uma estratégia de afastamento do Governo”, o que se vê já no “reactivar da sua frente sindical”. Em suma, o futuro da aliança de esquerda é imprevisível, segundo esta personalidade do PSD: “Como acaba o Governo? Mais coeso? Zangado? O BE vai integrar a ala esquerda do PS? Haverá um esfarelamento do PCP? Ou um fortalecimento dos comunistas?”
Há ainda uma variável político-institucional (não partidária) que é avançada por um responsável do PSD e que passa pelo que fará Marcelo Rebelo de Sousa quando tiver de dar posse a um novo Governo: “Como é que o Presidente da República entenderá a situação e o que decidirá quando se puser a questão de escolher novamente? O que fará se houver um desentendimento à esquerda?”
Sucessores à espera
Agora eleito, o novo presidente do PSD parte para o seu mandato com a espada do sucessor anunciada. Esta semana mesmo, o antigo dirigente do PSD, Miguel Relvas, defendia em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença: “Vamos ter um líder para dois anos; se ganhar as eleições continua, se não ganhar, será posto em causa.”
Relvas fez questão de apontar nomes de putativos candidatos a líder num congresso pós-legislativas. Entre eles, está o nome de Luís Montenegro, que agora rejeitou ser candidato. Uma recusa que, segundo um dirigente do consulado de Passos Coelho, não se deveu a qualquer tacticismo mas apenas ao facto de que “Montenegro era líder parlamentar, era a segunda cara oficial do PSD de Passos; se fosse ele o líder seguinte, seria a continuidade do passismo sem Passos”.
Em todas as personalidades ouvidas pelo P2, é unânime a ideia de que a seguir a uma derrota nas legislativas vão surgir outras vozes para provocar erosão e pedir contas. Se bem que haja quem lembre que “é sempre o líder que domina o aparelho, elege distritais, elegerá a bancada em 2019”. Assim, há dirigentes que estão à espera, mas que podem ver os planos estragados.
Voltando à história, José Arantes insiste: “Cavaco estragou os planos a muita gente, há dinâmicas próprias, esse é o fascínio da política, ela surpreende sempre.”
A excepção Barroso
É a história do PSD que prova que o facto de haver quem desafie em congresso um líder que perde eleições não significa que este caia. O exemplo é Durão Barroso. Em Outubro de 1999, o primeiro-ministro e líder do PS, António Guterres, ganhou e até subiu de 112 para 115 o número de deputados, mas viu a maioria absoluta morrer na praia por um mandato à Assembleia da República. Em Fevereiro de 2000, o PSD reuniu-se em congresso em Viseu e Barroso obteve mais de 50% dos votos dos delegados, contra as candidaturas de Santana Lopes e de Marques Mendes. Um congresso difícil e duro em que o líder do PSD chegou a chamar a Santana “um misto de Zandinga e Gabriel Alves”.
É certo que as circunstâncias foram diferentes das de hoje, como sublinha Marques Mendes. “O PSD vivia uma situação traumática, Barroso tomou conta do partido muito em cima de eleições e por um estado de necessidade”. Recorde-se que Barroso agarra o partido em 1999, após o abandono do então líder Marcelo Rebelo de Sousa, eleito em 1996, em substituição de Fernando Nogueira, que, um ano antes, recebera o partido de Cavaco e saíra derrotado das legislativas. Foi, aliás, na sucessão de Cavaco e ao perder o Congresso do Coliseu de Lisboa, em 1995, que Barroso ganhou o estatuto de putativo líder do PSD, herdando, desde logo, a liderança do grupo que se formara em torno de Dias Loureiro dentro do cavaquismo. O terceiro candidato de então, Pedro Santana Lopes, desistiu da corrida já no Coliseu.
Marcelo decidira demitir-se quando foi sabido que o líder do CDS, Paulo Portas, podia estar envolvido na investigação judicial à Universidade Moderna. Isto num momento em que Marcelo tinha imposto uma nova AD à direcção do PSD e a figuras como a sua vice-presidente Leonor Beleza, que estava de relações cortadas e nem sequer falava a Portas, quando por ele passava no Parlamento, devido às notícias sobre si no jornal O Independente, quando ela era ministra da Saúde de Cavaco e ele director daquele semanário.
Barroso eleito em Abril, no congresso de Coimbra, tem de fazer aprovar à pressa as listas de candidatos do PSD ao Parlamento Europeu, cujas eleições foram em Maio, e de seguida aguentar a campanha para as legislativas de Outubro. Surge assim como “a salvação na crise e não como agora, quando falta mais de ano e meio até às legislativas de 2019”, sublinha um dirigente do PSD. “Com Durão Barroso, as pessoas perceberam que ele não tinha condições de ganhar em 1999”, frisa o seu antigo assessor José Arantes.
Está na memória de quem viveu esses anos a forma como a comunicação social espelhava a opinião pública sobre o então presidente do PSD. O director do PÚBLICO naquela época, José Manuel Fernandes, escreveu que ele nunca seria primeiro-ministro. Luís Delgado afirmou: venha o próximo. Isto apesar de, à época, “a comunicação social dar mais espaço à política pura” e, “tal como as elites, não se alimentar do generalismo e da voragem”, o que fazia com que “o desgaste e a pressão não fosse tão grande”, defende Barreiras Duarte, que integrou o núcleo duro da direcção Barroso desde o início, ao lado José Luís Arnaut, José Matos Correia, Miguel Relvas e de Nuno Morais Sarmento, conhecidos então como “os cinco mosqueteiros”.
Marcar terreno
O sucesso de Barroso assentou em vários factores, explica Barreiras Duarte. Para isso, contou a sua personalidade, garante. “É teimoso, determinado, resistente, mas não é uma cabeça fechada e sempre gostou de estar rodeado de pessoas diferentes e diversas, do partido e de fora, criou uma rede de contactos e apoios na sociedade, nas universidades, calcorreou o país”, explica Barreiras Duarte, acrescentando que Barroso “beneficiou dentro do PSD de uma renovação de estruturas distritais”, que trouxe para a primeira fila do partido “uma nova geração”.
Além disso, Barroso “foi um moderado”, tal como “Guterres também o era”, teve uma “atitude serena” e “humilde”, assim como “não foi nunca radical nas propostas”, garante Barreiras Duarte. Teve “capacidade de ir tapando os espaços de diálogo com a sociedade” e de marcar o seu território. Exemplo disso é, num momento em que “o poder era todo dos socialistas”, a sua aposta na candidatura a Presidente da República de Joaquim Ferreira do Amaral, que “foi muito útil ao PSD embora enterrasse a sua carreira política”, lembra este antigo “mosqueteiro” de Barroso. As presidenciais serviram para “marcar a posição do PSD, fazer um aggiornamento interno e obrigar as pessoas a estarem junto do líder”, conclui.
Paralelo ao momento actual é o facto de que então António Guterres “tinha uma situação económica fantástica”, lembra um antigo dirigente do partido. Com o apadrinhamento de Bruxelas, vivia-se a preparação do país para aderir ao euro, um factor de comunhão de objectivos europeus entre Guterres e Barroso. O momento era de sucesso económico da governação, o Governo minoritário socialista tinha feito crescer o PIB de 89.037 milhões de euros em 1995 para 119.639 milhões em 1999. O défice baixara nesses anos de -4.2% para -1,7%. A percentagem da dívida em relação ao PIB desceu de 58,3% para 51%. E o crescimento económico aumentou de 2,31% em 1995 para 3,89% em 1999. É já quase no fim do segundo Governo de Guterres que se ouviu falar em crise, quando, no Verão de 2001 e a propósito da preparação do Orçamento do Estado para 2002, o então ministro das Finanças e da Economia, Joaquim Pina Moura, apresentou um documento com 50 medidas para reduzir a despesa pública.
A “verdade” de Manuela
Todavia, por vezes, os dados da economia não influenciam de forma determinante as escolhas dos eleitores. Que o diga a ex-líder do PSD entre 2008 e 2010, Manuela Ferreira Leite. Nas legislativas de 2009, que disputou com o então primeiro-ministro, José Sócrates, sob o lema “Falar Verdade”, a líder do PSD bem alertou para as consequências da crise internacional para Portugal que se desenhavam já no horizonte, numa dura campanha em que José Sócrates prometia a construção do TGV, depois de ter descongelado as carreiras e aumentado os salários da função pública, bem como baixado em 1% o IRS.
Os dados económicos do fim de 2009 acabaram por provar o descalabro financeiro do Estado. O PIB baixou de 178.872 milhões de euros em 2008 para 175.448 milhões em 2009, o défice subiu de -2,9% para -8%, a percentagem do peso da dívida externa de 71,7% para 83,6% e o crescimento económico que em 2008 fora já anémico, com apenas 0,20% do PIB, em 2009 foi negativo com -2,98%.
A realidade é que o eleitorado não acreditou na “verdade” de Manuela Ferreira Leite. Ou melhor, a presidente do PSD não teve capacidade para fazer passar a sua mensagem e o seu projecto. O que mostra que nos comportamentos e escolhas eleitorais e no estabelecer de relações de liderança e de empatia com o país há factores diversos e complexos que podem influenciar uma vitória eleitoral e a transitoriedade de um líder partidário.