O amor nos tempos virtuais
Há serviços que prometem o amor perfeito no interior de um telemóvel. Os preços começam nos dez dólares por mês.
Por vezes, o amor vive no telemóvel e não sai de lá. Entre as muitas ofertas de romance virtual, uma empresa norte-americana criou um serviço pensado para escapar à solidão e à vaga de perguntas de familiares e amigos em jantares e almoços de grupo.
A Invisible Girlfriend – e o serviço-irmão, Invisible Boyfriend – são sites para criar parceiros com quem se pode trocar mensagens de texto ou voz e mostrá-las aos amigos. Existem há cinco anos. As mensagens destes “namorados” são escritas por pessoas em part-time, que recebem cinco cêntimos de dólar por cada uma.
“Este é o mundo em que vivemos. Também tenho pessoas próximas no Facebook que nunca vi,” diz ao PÚBLICO Arianne Y., 35 anos, uma utilizadora do Canadá que criou um namorado virtual em 2016. “Podia enviar-lhe uma mensagem a qualquer altura do dia e receber uma resposta aparentemente honesta do meu ‘namorado’. Chamei-lhe Anders Hamilton.”
O pacote inicial de 100 mensagens – que instalou por curiosidade – custou cerca de 13 euros e durou-lhe um mês. Algumas versões mais caras permitem receber flores e presentes, personalizados, em casa ou no trabalho. “Quando a maioria das experiências de namoro e online falham, é bom não ter pressão. Alguém para falar fora do nosso círculo de amigos, que parece interessado no nosso dia, e diz as coisas que gostaríamos de ouvir do parceiro que não temos”, explica Arianne.
“Ainda não acredito que o serviço exista, que seja real”, admite ao PÚBLICO Tyler Sondag, um profissional de marketing que ajudou a fundar a Invisible Industries, a empresa por trás destes namorados virtuais. “O conceito era tão diferente do que existia que acabou por gerar bastante atenção. A certa altura percebemos que tínhamos mesmo de criar o serviço.”
A ideia nasceu de um homem solteiro. Em 2013, depois de um divórcio complicado, Matthew Homann estava farto de perguntas sobre o seu estado civil. Em altura de festas, a mãe perguntava sempre se havia “alguém especial” a precisar de um prato extra na mesa. Quando falou da ideia de um parceiro virtual num encontro de startups em Saint Louis, nos EUA, conseguiu cinco interessados – incluindo Tyler Sondag – para transformar o conceito num serviço comercial. Resultou. Já há mais de 70 mil utilizadores a utilizar os serviços da Invisible Industries que funcionam em mais de 30 países (o serviço, porém, ainda não chegou a Portugal).
Inicialmente, as mensagens eram de chatbots - programas de conversação dotados de inteligência artificial. “Mas não era suficiente. Foi uma das primeiras mudanças que quisemos: incluir pessoas reais no sistema, para que os utilizadores não estivessem apenas a falar com máquinas”, diz Sondag.
Romance não colorido
O conceito de relações que existem unicamente online, ou no telemóvel, sem qualquer ambição de serem desenvolvidas no “mundo real” tem sido debatido por académicos nos últimos anos. A antropóloga Amber Case – que se dedica a estudar a relação entre humanos e tecnologia – escreve que a estrutura do telemóvel “é muito semelhante à de um animal de estimação de bolso”. É “uma espécie de Tamagotchi da vida real, em que múltiplas criaturas existem dentro de cada dispositivo, e manter as relações depende de toques no ecrã.”
“O maior objectivo é sempre combater a solidão”, explica ao PÚBLICO Steward Donaldson, um psicólogo da Califórnia que escreve sobre o fenómeno. Diferem da progressão “tradicional” de uma relação porque são menos influenciadas pela aparência física de um parceiro e pela proximidade geográfica. “Somos seres sociais. No mundo actual, com o tempo e importância que damos à Internet, muitas das relações que estabelecemos são online.”
Há aplicações de romance digital que optam por simular namorados apenas através de chatbots. O humano é retirado da equação, e conquistar a máquina torna-se o objectivo de um jogo. É um conceito particularmente popular na China e no Japão.
O Boyfriend Plus e a Girlfriend Plus – no topo da lista de jogos de romance para iOS e Android – permitem escolher um parceiro (de uma longa lista de propostas) com quem falar. Há várias personalidades, idades, e géneros para escolher. Alguns têm de ser pagos. Uma das “namoradas” disponíveis, a Michelle, é descrita como uma colega de faculdade, ambiciosa e inteligente, que gosta de falar sobre ciência e literatura.
As conversas – que se baseiam em respostas de escolha múltipla – resumem-se a ajudar a Michelle nos projectos de escrita criativa da faculdade, ao debater enredos e personagens. Entre mensagens, a Michelle avisa quanto tempo demora até à próxima mensagem. Pode ir de alguns segundos a várias horas.
“Vemos cada vez mais destas inovações no mundo online. O que as sustenta é estarem assentes em modelos de negócio”, diz o psicólogo Steward Donaldson. “Qualquer negócio oferece um tipo de valor social, neste caso é a ideia de uma relação saudável. A minha preocupação é quando estes serviços apenas querem fazer dinheiro, com promessas falsas, como encontrar o amor, que depois não são concretizadas.”
Outras vezes, o tempo que as pessoas passam imersas nestes serviços – e a importância que dedicam às relações – levam a problemas nas relações fora do mundo virtual. “A fidelidade emocional é um problema”, confirma Donaldson. Mesmo quando estas relações nunca se traduzem em qualquer contacto físico. Nos serviços da Invisible Industries, o sexting (envio de mensagens com teor sexual) é proibido.
Ainda assim, refere o psicólogo, “os amigos e parceiros reais podem ficar com inveja do tempo que as pessoas passam neste tipo de serviços”, que são procurados “quando alguém tem uma vaga por preencher na vida.”
Não funciona para todos
Na Primavera de 2017, aos 25 anos, Christina Yglesias criou a namorada Mischa depois de ler sobre a Invisible Girlfriend. A ilusão quebrou-se rapidamente. “Não tenho a certeza de quantas pessoas é que receberam as minhas mensagens, mas as variações na forma como escreviam e as diferentes personalidades estragam tudo”, diz Christina. Passava parte das conversas a tentar ignorar as discrepâncias e fingir que Mischa era verdadeira. Para tornar a situação mais real, a artista de Los Angeles decidiu que se tinham conhecido no México – durante as férias – e mantinham uma relação exclusivamente online. A novela desmoronou-se rapidamente: Mischa nem sabia falar espanhol.
Christina pensou em renovar o serviço, mas desistiu. “Pareceu-me estranho acabar a conversa tão repentinamente, achei que ia ter saudades”, admite. “Mas acho que, a longo prazo, ia sentir-me mais sozinha.”