"No referendo votámos com esperança, agora é porque tem de ser"

Para muitos eleitores de Barcelona, quinta-feira foi dia de regressar às escolas que defenderam no referendo de 1 de Outubro. Gente que vê estas eleições como ilegítimas ou, pelo menos, impostas.

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Em menos de três meses, as estátuas de papel que decoram a entrada da escola infantil Joan Miró já mudaram; os alunos têm estado activos. Na Catalunha o tempo não parou. “A diferença é que nesse dia votámos com esperança. Agora tem de ser. Vem-se e vota-se”, diz Nuria, 48 anos, uma das dezenas de pessoas que acampou nesta escola na véspera do referendo da independência para impedir que a polícia a encerrasse.

É fácil encontrar outros que ali dormiram. O ambiente é tão diferente. A 1 de Outubro houve sempre uma multidão, dentro do edifício e à porta, caso a polícia decidisse aparecer; as filas foram enormes e começaram a formar-se horas antes da abertura das urnas, à chuva; agora é o entra e sai habitual, de manhã cedo houve filas, a partir da hora de almoço nem por isso.

“São umas eleições que nos impuseram. Madrid já decidiu o que vai fazer”, diz Nuria, sugerindo que, num cenário de maioria independentista, Mariano Rajoy manterá em vigor o artigo n.º 155, que lhe permite gerir a política catalã.

Nuria, desempregada de 48 anos, está à conversa com Quín, de 51. Ela leva um laço amarelo ao peito, ele um na mala de pele a tiracolo – é o símbolo de quem pede a libertação de quem consideram presos políticos: Oriol Junqueras, líder da ERC e o ex-conselheiro do Interior Joaquim Forn (candidato na lista Juntos pela Catalunha, de Carles Puigdemont), os membros do Governo cessado que continuam em prisão preventiva; e os Jordis, Jordi Sànchez, ex-líder da Associação Nacional Catalão e candidato, e Jordi Cuixart, presidente da Òmnium Cultural.

“Agora, com o referendo e a declaração de independência eles tiveram a desculpa para fazer o que sempre quiseram”, diz Quín. Eles são a direita do PP, no poder em Madrid. “A estratégia tem anos, com a crescente centralização do poder. Agora, já não nos largam, fomos demasiado longe”, diz o catalão.

Numas eleições estranhas bateram-se vários recordes e um foi o do número de delegados das listas, aqui chamados apoderados. Com tantos – 55 mil ao todo, só a ERC somou 22 mil –, houve momentos com mais apoderados do que eleitores dentro da mesa de voto da Joan Miró.

“Nunca lidei com problemas graves, só questões como boletins que não se sabe se são válidos ou não”, conta Susana López Ares, deputada do PP no Congresso. “Estas eleições são normalíssimas, estamos aqui para o mesmo, garantir a legalidade do processo e ajudar algum eleitor nosso com dificuldades”.

Desconfiança mútua

Diego, Anna e Diana também vieram como delegados: Anna (CUP, Candidatura de Unidade Popular, independentistas à esquerda da ERC), Diego e Diana da ERC, olham para estas eleições como diferentes de todas. Diego e Anna passaram a noite na Joan Miró no referendo e explicam ter vindo “para não deitar tudo a perder”. Anna, 63 anos e activista de muitas lutas, é há anos apoderada, Diego, sociólogo de 42 anos, estreia-se, tal como Diana, publicitária de 33.

“Vim por serem umas eleições especiais, com muita tensão e desconfiança mútua. Quero que sejam o mais transparentes possível”, explica o sociólogo, óculos de massa e cachecol verde seco ao pescoço. Diego vota ERC, Anna CUP, mas ao enumerar as forças independentistas diz “ERC, president, CUP”, como quem não deixou de considerar Puigdemont, auto-exilado (ou em fuga da Justiça, depende da interpretação) em Bruxelas, como líder legítimo.

Diana sempre votou ERC mas desta vez votou Juntos pela Catalunha: “Votarei sempre no presidente, o único que fez o que nós queríamos, trouxe-nos até onde estamos”. Onde? “A independência foi declarada, isso já ninguém nos tira”. Mas, e se ganharem os unionistas, e se os independentistas não conseguirem governar ou pelo menos construir a república declarada? “Não faz mal, temos a rua e não desistimos do que já alcançámos.” 

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